Folha de S. Paulo


'Beleza é um direito de todos', diz maquiador que mora em ocupação

Danilo Martinelle, 30, maquia suas clientes no camarim de um hotel antigo no centro de São Paulo. A sua penteadeira, com espelho emoldurado por lâmpadas, ocupa o cantinho de um grande salão vazio, com piso de madeira antigo e largas pilastras, no segundo dos 15 andares do Hotel Cambridge. O prédio é a casa temporária de 170 famílias sem-teto.

A FLM (Frente de Luta por Moradia) ocupou o lugar em 2013. Nessa mesma época, Martinelle veio de Vitória da Conquista (BA) para São Paulo. Hoje, além dos cursos de maquiador e cabeleireiro, ele é um dos coordenadores do movimento. O Cambridge é seu lugar de trabalho ("sempre trago minhas malas quando venho maquiar aqui", diz), ele mora ali perto, em outro edifício ocupado.

Reprodução/Facebook-Danilo Martinelle
Cliente faz selfie com Danilo Martinelle depois do make
Cliente faz selfie com Danilo Martinelle depois do make para o Carnaval

Alto e forte, o maquiador preserva a beleza que lhe garantiu trabalhos como modelo na adolescência "As meninas gritavam e batiam palmas quando eu desfilava", lembra. Aos 16 anos, foi apadrinhado pela dona de um salão de beleza que lhe ensinou a maquiar e a cortar cabelos. Há um ano e meio, Martinelle trocou a vida de gerente dessa empresa (que além do salão, faz casamentos e festas de quinze anos) e veio para São Paulo cursar graduação em visagismo, com foco em maquiagem.

"Tudo que envolve maquiagem é caro. Na minha maleta tem marca internacional, tem M.A.C. Pagar o aluguel, a faculdade, os produtos. Eu caí na real. Para financiar um apartamento hoje, em São Paulo, você precisa de muita grana", diz. Foi assim que ele se aproximou dos grupos que lutam por moradia. "Aqui, eu me ajudo e ajudo os outros."

"Tem muitas meninas e mulheres aqui dentro que são qualificadas para o mercado de trabalho, mas a imagem delas não condiz com a profissão." Nos cursos de automaquiagem, Martinelle ensina como usar as pinturas adequadamente. "Uma cor de batom usada na hora errada pode custar uma vaga de emprego." Ele conta que muitas moças usam maquiagem, mas precisam de dicas: o lápis preto embaixo do olho pode dar um ar cansado, uma sombra muito colorida não é adequada para certos ambientes de trabalho. "Eu bato um papo com as meninas sobre como adaptar a identidade delas para o ambiente de trabalho."

Uma vez por semana, ele corta cabelo de graça. Nos outros dias, atende normalmente, tanto pessoas da ocupação, como da vizinhança. "A propaganda é de boca em boca, alguém do quarto [andar] fala pro quinto, daqui a pouco eu vejo gente lá do 15º descendo pra vir se arrumar comigo." Até as clientes que ele atende em suas casas, quando sabem que o "salão" é em uma ocupação preferem ir até o Cambridge. "É uma experiência diferente para elas", diz. No Carnaval, maquiou as passistas da Vai-Vai.

Ele gosta de ter as mulheres da ocupação sentadas em sua cadeira. "Tem cada história!", brinca. Para o maquiador, batom e blush têm o poder de melhorar a beleza interior e elevar a autoestima, o que ajuda as moças a encarar melhor o dia a dia. "A vida às vezes maltrata e, quando a mulher está triste, não há nada melhor do que passar um batom, se ver bonita"

LUXO?

"A beleza é um direito para todos", afirma. Para Martinelle, a vaidade vem do berço, "todo mundo teve seu talquinho quando era bebê, por que não pode ter isso na vida adulta?".

Com a variedade de preços e produtos, o baiano diz que todas podem ter um batom, máscara para cílios, base e pó na bolsa – itens que ele considera básicos em um nécessaire. "E tem muito produto de marca popular que os maquiadores profissionais usam e ninguém diz", completa.

O próximo passo dentro do Cambridge é criar um curso profissionalizante, de nível básico, para maquiadores. "Tem várias meninas aqui que são super antenadas nos blogs de beleza, tem maletas com vários produtos e elas adoram me ver trabalhar", conta.

No próximo sábado (28), Martinelle vai maquiar e dar dicas de automaquiagem durante o bazar que acontecerá no Hotel Cambridge. A renda será revertida para a própria ocupação. "Queremos comprar máquinas para o ateliê das costureiras e um tatame para as aulas de judô", diz.

Reprodução/Facebook-Danilo Martinelle
Danilo Martinelle e o ator José Dumont (sentado) no camarim do Hotel Cambridge
Danilo Martinelle e o ator José Dumont (sentado) no camarim do Hotel Cambridge

SERVIÇO:

Danilo Martinelle - (11) 9.5893-6483


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