Folha de S. Paulo


Abacaxi nas mãos

SÃO PAULO - O Brexit pode ser descrito como uma brincadeira que foi longe demais. De David Cameron, o premiê que convocou o plebiscito, aos políticos da ultradireita que fizeram campanha pela saída, passando pelo "establishment" favorável à permanência, que foi no mínimo preguiçoso ao vender seu peixe, ninguém esperava que a proposta de ruptura triunfasse. Mas, como ela venceu, todos ficaram com um belo de um abacaxi nas mãos.

A alternativa agora é ir em frente com a separação, o que causaria consideráveis prejuízos econômicos e políticos ao Reino Unido, ou providenciar uma desculpa para refazer a votação ou para que o Parlamento não dê seguimento ao processo de divórcio da UE. Uma solução dessas, porém, configuraria insofismável tapetão, com forte desgaste para a ideia de que a democracia é para valer.

Não teria sido nenhum absurdo estabelecer que uma decisão tão grave como a de abandonar a UE tivesse de passar por duas votações ou tivesse de obter uma maioria qualificada, mas tudo isso teria de ter sido definido antes da consulta, não depois dela e tendo em vista o resultado que agora mesmo defensores do Brexit começam a ver com um pé atrás. É muito mais confortável ter uma Bruxelas contra a qual imprecar do que ter de lidar concretamente com os problemas da separação.

A verdade é que, entre os vários problemas da democracia, está o fato de que, embora num nível macro os interesses dos políticos tendam a coincidir com os de sua base eleitoral, no micro eles podem divergir. O modelo aqui é o do conflito pais/filhos proposto pelo biólogo Robert Trivers. Cameron não chamou o plebiscito porque estava genuinamente interessado em consultar a população sobre a permanência na UE, mas simplesmente porque fazê-lo lhe pareceu uma boa ideia para consolidar sua posição e a de seu partido entre os eleitores mais conservadores. Funcionou até dar errado.

helio@uol.com.br


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