Folha de S. Paulo


Em busca do tempo perdido

SÃO PAULO - O tempo existe? À primeira vista, a pergunta nem mesmo faz sentido. Basta olhar à nossa volta, notando, entre outras mazelas, a grave realidade da morte que nos cerca, para mandar internar num asilo para insanos aqueles que fazem perguntas desse quilate.

Se deslocarmos a questão do plano da vida ordinária para o das leis da física, porém, a coisa muda de figura. Aí, o que está mais perto de um consenso é a noção de que o tempo é se não uma ilusão, ao menos algo não fundamental. Galileu e Newton, afinal, se propuseram a descobrir as leis eternas e imutáveis da natureza, aquilo que estava além do tempo.

O quadro não é diferente para Einstein, que considerava a distinção entre passado, presente e futuro uma subjetividade humana, nem para a mecânica quântica, na qual o tempo simplesmente desaparece.
O físico Lee Smolin, em seu controverso "Time Reborn" (tempo renascido), se propõe a reintroduzir o tempo na física, mas agora como algo fundamental. O preço a pagar não é pequeno, como admite o autor. Entre as vítimas se contam certos aspectos da relatividade geral, o espaço e a própria noção de que a matemática trata de realidades meio platônicas.

O melhor momento do livro, a meu ver, são aqueles em que Smolin mostra como os grandes sistemas foram relegando o tempo a papéis secundários. Aí ele consegue combinar com competência didatismo nas explicações físicas e agudeza na percepção das implicações metafísicas. Não é que a parte em que ele propõe mudar tudo seja ruim. Mas ela é, como o próprio autor admite, altamente especulativa e incompleta. Ele tem menos que o esboço de uma teoria.

Pela densidade, "Time Reborn" não é uma leitura fácil, mas vale não só para quem tem interesse nos meandros da física teórica mas também para aqueles com inclinações mais metafísicas, que gostam de fazer perguntas sobre o tempo, o infinito, o estatuto da matemática etc.

helio@uol.com.br


Endereço da página:

Links no texto: