Folha de S. Paulo


Ditaduras dão certo?

SÃO PAULO - Meu amigo e mestre Clóvis Rossi, comentando a morte de Lee Kuan Yew, o fundador de Cingapura, apontou o contraste entre o sucesso econômico do país e a natureza ditatorial do regime. A questão é, de fato, das mais interessantes.

Embora a cartilha oficial do liberalismo goste de vincular bom desempenho econômico à existência de liberdades, as evidências empíricas mostram que, ao menos em horizontes não muito longos, essa ligação não é necessária. Além de Cingapura e da China, casos mencionados por Rossi, poderíamos lembrar que Taiwan e Coreia do Sul também iniciaram seu processo de desenvolvimento como ditaduras. Para sair do circuito asiático, podemos citar o Chile.

A rigor, todas as nações hoje ricas começaram a desenvolver-se num período em que as liberdades eram bem mais restritas. É verdade que os EUA nunca foram propriamente uma ditadura, mas se valeram de métodos e leis que hoje classificaríamos como autoritários sem nem pestanejar. Basta lembrar o macarthismo, para dar um único exemplo.

Isso significa que não há nenhuma relação entre pujança econômica e regime político? Eu não iria tão longe. Uma corrente de teóricos afirma que o crescimento só é sustentável no longo prazo quando as instituições políticas de um país são inclusivas e seus cidadãos gozam de liberdade para criar e decidir onde alocarão seu tempo e recursos. Isso ocorreria porque a manutenção da prosperidade depende de um fluxo constante de inovações científicas e ganhos de produtividade. Riqueza é, em última instância, novas ideias.

Na fase que os economistas chamam de "catch up", isto é, enquanto o país se limita a capturar tecnologia produzida por nações avançadas, seria até mais fácil crescer sob ditadura. Mas uma hora esse processo se esgota e se torna necessário inovar, para o que as liberdades são fundamentais. Quero crer que a tese é correta, mas a prova final é sempre empírica.


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