Folha de S. Paulo


Direita ou esquerda?

SÃO PAULO - "Papai, a manifestação na Paulista é de direita ou de esquerda?" Deveria ser simples responder à pergunta de meu filho David, de 13 anos, mas titubeei. É claro que a maioria das pessoas que protestou contra o PT não se enquadra nas definições clássicas de esquerda. E nem o governo, ouso acrescentar. Mas o que significa ser de esquerda (ou direita) hoje?

A distinção original, forjada às vésperas da Revolução Francesa, segundo a qual a direita seria contra mudanças sociais enquanto a esquerda as favoreceria, já não faz sentido. Há, porém, alguns temas, como aborto, pena de morte, transgênicos, direitos dos animais, mudança climática, sobre os quais é quase impossível não ter posição. E a maneira como nos situamos em relação a um elenco mais ou menos fixo deles faz com que sejamos classificados como "de direita" ou "de esquerda".

São bandeiras caras à esquerda, por exemplo, a liberação do aborto e das drogas e a condenação à pena de morte e ao porte de armas. Já a direita sustenta exatamente o contrário. Conciliar ambos os conjuntos de posições com uma narrativa racional linear exige certo esforço mental. Se é o princípio da sacralidade da vida que prepondera, deveríamos ser contra os quatro pontos. Já a defesa intransigente da autonomia individual recomendaria a aprovação de todos.

Para piorar, os conceitos mudam com o tempo e ao sabor de modismos. Basta lembrar que, até o início dos 50, a esquerda apoiava quase incondicionalmente o Estado de Israel.

Deveríamos então abandonar as noções genéricas de direita e esquerda e analisar individualmente o mérito de cada tese apresentada? Provavelmente sim, mas não é tão fácil fazê-lo. Nossos cérebros clamam por classificações predefinidas, que permitam identificar facilmente quem consideraremos aliados e quem serão nossos adversários. Que o sistema não resista a um escrutínio racional mais sistemático é só um detalhe.


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