Folha de S. Paulo


Você roubaria se fosse senador?

SÃO PAULO - O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, finalmente apresentou ao STF a lista dos políticos suspeitos de corrupção.

Se você, dileto leitor, tivesse sido eleito para um mandato parlamentar, chegasse ao Congresso e, depois de presenciar tudo o que acontece ali, recebesse uma proposta de uma grande construtora, a aceitaria?

De minha parte, gostaria de ter certeza que responderia com um sonoro "não", mas não estou tão seguro. Já li livros o suficiente para saber que, embora gostemos de equiparar honestidade a caráter, circunstâncias exercem papel bem mais determinante do que admitimos. Se todos a seu redor se comportam mal, não são desprezíveis as chances de que você venha a seguir-lhes os passos.

Já citei aqui experimentos clássicos que demonstraram esse efeito, como aquele em que o psicólogo Phil Zimbardo fez com que estudantes que encenavam o papel de guardas tratassem com sadismo seus colegas que interpretavam prisioneiros.

Há exemplos mais positivos. Em "Eichmann em Jerusalém", Hannah Arendt conta como os dinamarqueses se recusaram a participar da perseguição aos judeus. Eles simplesmente sabotavam o sistema de classificação racial. Era impossível distinguir judeus do restante da população. Os nazistas tentaram resolver a situação despachando militares alemães para cuidar das transferências, mas a estratégia fracassou porque os soldados germânicos adotavam o padrão moral dos dinamarqueses.

A ideia aqui é que buscamos no ambiente circundante âncoras morais para guiar nosso comportamento. Se essa hipótese é correta, a corrupção tem forte componente inercial. Rouba-se hoje porque se roubou no passado. Como não dá para despachar nossos políticos para a Dinamarca, só resta punir exemplarmente todos os envolvidos ao longo de uma meia dúzia de escândalos para tentar romper com a inércia e inaugurar um padrão moral mais saudável.


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