Folha de S. Paulo


As guerras paralelas de 2017

A temperatura política de janeiro dá os sinais do que será o ano. Ao que tudo indica, 2017 será bombástico e com desfecho imprevisível. As duas crises –institucional e social– herdadas do trágico 2016 devem atingir o paroxismo.

A delação da Odebrecht tinha sua homologação prevista para fevereiro. A se considerar o único dos 77 depoimentos que até aqui veio a público, o potencial explosivo para o governo Michel Temer e o conjunto do sistema político brasileiro é elevado.

A morte de Teori Zavascki pode mudar os rumos desta história. Não é possível, neste caso, descartar nenhuma hipótese. O contexto da morte, seu timing (poucas semanas antes do ministro homologar a delação) e o conhecido perfil duro de Teori, evidentemente levantam suspeitas. Não há como fugir disso, desqualificando os questionamentos como teoria da conspiração.

Até porque, caso as delações da Odebrecht não sejam amortecidas pelo sucessor de Teori na relatoria, será o prenúncio de uma guerra entre poderes, cujos sinais foram bem delineados nos últimos meses. De um lado, a chamada República dos procuradores, com ramificações no STF (Supremo Tribunal Federal), que pretende levar adiante a Lava Jato valendo-se dos recursos que forem necessários, incluindo medidas de exceção. De outro, Temer e a maior parte dos partidos políticos, unidos na proposta de "estancar a sangria".

O primeiro grupo conta até aqui com o apoio da maior parte da mídia e com o clamor público de combate à corrupção. O outro passou a ser respaldado pelo ministro Gilmar Mendes, líder do PSDB no Judiciário, que após a consumação do golpe contra Dilma Rousseff, passou a denunciar excessos na Lava Jato. Excessos que, pouco antes, contaram com os aplausos entusiasmados do mesmo Gilmar. Não há heróis nesta história. São dois grupos disputando seus projetos de poder, um deles bastante conhecido, o outro nem tanto.

Após a oficialização das delações, a sorte estará lançada. O resultado desta guerra definirá o futuro do governo Temer e da Lava Jato, quiçá até mesmo os destinos da envelhecida Nova República.

Esta crise institucional se desenrolará em meio a um cenário social igualmente explosivo. O país vive a maior recessão de sua história recente, com desemprego crescente e queda da renda dos trabalhadores. O programa adotado pelo governo é de retirada de direitos e corte de investimentos públicos, o que só joga mais gasolina na fogueira.

Nesse caso, os poderes em disputa unem-se numa Santa Aliança em favor da agenda antipopular, como ficou claro no acordo com o STF para salvar Renan Calheiros (PMDB-AL) e garantir a votação da PEC 55. Mais de um ministro do Supremo justificou seu voto pela necessidade de não afetar a votação das medidas econômicas pelo Senado.

A reforma da Previdência, medida mais simbólica deste pacote, terá sua tramitação acelerada na Câmara em fevereiro, após o recesso, e tem votação prevista para junho. Não parece razoável acreditar que o desmonte do sistema de aposentadoria passará sem qualquer reação social. Diferente da PEC, que demandava explicações mais complexas, o ataque à previdência não precisa de legendas.

Desemprego, queda da renda, serviços públicos à beira do colapso e medidas amargas do governo. Além do mais, nenhuma perspectiva de recuperação rápida. A soma desta equação é a temida convulsão social. Virá em 2017? Impossível saber. Mas é seguro que os caminhos desastrosos da austeridade levam o país ao agravamento da crise social.

De um lado, a guerra entre os Poderes, que coloca em xeque o governo e o regime político. De outro, a guerra declarada dos Poderes contra a maioria do povo, que deverá provocar reações sociais de maior intensidade do que vimos até aqui. O resultado destas guerras paralelas em 2017 dirá muito sobre os destinos do país.

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Aproveito este espaço para agradecer todos os gestos e declarações de solidariedade em relação à abusiva prisão que sofri nesta semana, numa operação de despejo de 700 famílias na zona leste de São Paulo. Mais um sinal da escalada autoritária em nosso país. Se o objetivo era intimidar, devo dizer que não funcionou. O MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) não sairá das ruas.


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