Folha de S. Paulo


O Brasil e o "cabelogate"

BRASÍLIA - Há uma dúvida frequente no noticiário político: a corrupção no Brasil aumentou em relação ao registrado em tempos passados?

É impossível responder. Não existe um "corruptômetro" nem uma medição confiável do que se passava no país durante a ditadura militar (1964-1985) ou antes. Como a maioria das pessoas tende a edulcorar o passado, preferindo as boas às más lembranças, muitos acham que hoje a corrupção aumentou na política.

Desconfio dessa avaliação, agora muito em voga após a repórter Andréia Sadi relatar o "cabelogate" do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) –ele usou um jato da FAB para ir ao Recife e se submeter ao implante de 10.118 fios de cabelo.

É verdade que no passado não havia tal tipo de tratamento para alopecia. A FAB tampouco tinha jatos à disposição para passeios particulares de políticos. O país era outro. Lei de Acesso à Informação e Lei de Responsabilidade Fiscal eram apenas abstrações. Também não existiam milhões de brasileiros com celulares fotografando tudo o que se passa.

Há hoje uma transparência inaudita sobre autoridades e políticos em geral. É sempre possível melhorar. Mas aumentou muito o acesso da população ao que se passa por trás das portas dos gabinetes de Brasília.

Tome-se o "cabelogate" de Renan Calheiros. A FAB publicou os dados na internet. Qualquer pessoa pode investigar. Há alguns anos, convescotes aéreos de ministros em Fernando de Noronha eram quase secretos.

A frequência atual com que políticos são apanhados em situação irregular tem ligação direta com a maior sofisticação das ferramentas de controle e com o fato de o Brasil ser hoje mais transparente.

Não seria, é claro, o caso de comemorar o implante dos 10.118 fios de cabelo do presidente do Senado nas asas da FAB. Só que o Brasil não está mais ou menos torto por causa desse episódio. O país e suas mazelas apenas ficaram mais visíveis a todos.


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