Folha de S. Paulo


Frente à tempestade, Temer ainda vive de vento

O governo Michel Temer ainda não produziu fatos que justifiquem tanto o otimismo que toma conta dos mercados internacional e interno em relação ao Brasil.

Mas, ao contrário de Dilma Rousseff, delineou nortes: 1) perseguir o equilíbrio das contas públicas; 2) deslanchar concessões na infraestrutura com regras realistas; 3) mudar a orientação da política comercial e; 4) aperfeiçoar programas de distribuição de renda como o Bolsa Família.

São "propostas vento", ainda longe de serem materializadas. E seu governo começou gastando (com funcionalismo) e fala pouco sobre os custos que serão impostos individualmente (no caso da Previdência) e a grupos (em eventuais cortes na saúde e na educação).

Limitar o aumento do gasto e reformar direito a Previdência são agendas abrangentes que nunca foram feitas, e que dependem do Congresso.

Como os mercados vêm "comprando" Temer, o vento a favor atual pode virar tempestade se as coisas começarem a dar errado.

Editoria de Arte/Folhapress

O quadro ao lado mostra que todos os emergentes têm sido beneficiados por investidores internacionais. Mas é o Brasil quem se sai melhor entre vários países, o que explica a valorização recente do real e da Bovespa.

Uma reversão das expectativas, portanto, poderá ter impactos maiores justamente sobre nós.

Olhando para trás, aos trancos o Brasil produziu uma série de reformas modernizantes nas três décadas e governos pós redemocratização, em 1985. O país melhorou muito. E Temer agora quase não tem opção, a não ser avançar diante dos retrocessos de Dilma.

Ao assumir em 2011, Dilma já trazia eixos frouxos em seu discurso de posse: "erradicar a miséria", "garantir a estabilidade de preços", "eliminar travas que inibem o dinamismo da economia" e "simplificar o sistema tributário". Não fez nada disso.

Na falta de uma agenda realmente ambiciosa e moderna, e ampliando gastos também com fins eleitoreiros, o resultado de seu governo é o que temos hoje: a escancarada insustentabilidade das contas públicas.

Esse talvez seja o maior legado de Dilma.

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Entre as mudanças modernizantes, na escavação do período pós ditadura no Brasil temos:

  • José Sarney (1985-1990): convocou a Assembleia Nacional que levaria à Constituição de 1988, que garantiu saúde e educação públicas universais e a vinculação de benefícios previdenciários e sociais ao salário mínimo;
  • Fernando Collor (1990-1992): chamou nossos automóveis de carroças e abriu o Brasil definitivamente à competição externa, despertando a fúria da indústria nacional que ajudaria a derrubá-lo politicamente;
  • Itamar Franco (1992-1994): abriu espaço para que jovens economistas arquitetassem o Plano Real, que sustentaria a vitória eleitoral de seu sucessor, o então ministro da Fazenda Fernando Henrique;
  • FHC (1995-2002): privatizou e criou agências reguladoras, mas quase quebrou o país tentando manter o dólar barato para se reeleger em 1998. A crise levou o Brasil ao FMI, e só a partir daí seriam adotados os pilares macroeconômicos que sustentaram o país, até o governo Dilma acabar com eles: inflação na meta, taxa de câmbio flutuante e superavit fiscal para pagar juros da dívida pública;
  • Lula (2003-2010): fez a grande aposta de aplicar mais dinheiro público em programas sociais, em especial no Bolsa Família. 13 anos de PT trariam forte distribuição de renda, e o ganho dos 10% mais pobres subiria 130% acima da inflação no período.

Tudo isso teve um preço. Que foi financiado em grande medida por forte aumento da carga tributária, que pulou de 20% como proporção do PIB no governo Sarney para cerca de 36% atualmente.

Essa saída agora é difícil e impopular. Daí a necessidade da nova rodada de reformas que Dilma não fez em seu tempo.

Editoria de arte/Folhapress
Cada um a seu tempo, presidentes trouxeram agendas modernizantes; Dilma não. A ver o legado de Temer
Cada um a seu tempo, presidentes trouxeram agendas modernizantes; Dilma não. A ver Temer

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