Folha de S. Paulo


Nova consciência ambiental pode estar a caminho

O jogo está na mesa. A boa notícia é que desta vez todos os países estão a bordo.

O acordo é melhor do que o que se esperava ao mencionar pela primeira vez 1,5ÚC como o teto do aquecimento desejado e um compromisso de US$ 100 bilhões por ano, no mínimo, para a adaptação e mitigação dos efeitos climáticos nos países mais pobres.

A má notícia é que, se todos os países cumprirem o que propuseram em seus INDCs (as metas de redução de emissão de poluentes de cada um), o planeta poderá aquecer entre 2,7ÚC e 3,3ÚC, o que significaria catástrofe.

Resumindo: parabéns pelo acordo, mas ele é uma merda. Há, porém, uma porta da esperança aberta. São as revisões de metas de emissão de cada país previstas para cada cinco anos.

Se essas metas forem mais ambiciosas em suas novas versões, ainda será possível limitar o aquecimento a 1,5ÚC. Isso é muito ruim, mas é o melhor possível.

É muito ruim porque, nesse cenário, muitos corais morrerão, e haverá enorme perda de biodiversidade e vida nos oceanos.

Geleiras desaparecerão, aumentando em centenas de milhões o número de refugiados do clima e o número de conflitos que virão juntos. O nível do mar pode subir até 1 metro. Copacabana resiste? Seca, enchentes Mas paro por aqui.

Vou poupá-los da repetição da lista do que nos aguarda e tento resumir um pouco o que foi observar esta COP21 de perto e na paralela.

Quando as notícias começavam a ficar insuportáveis, a saída era escapar para o galpão dos "Observadores", onde centenas de ONGs, institutos de pesquisa, universidades, bancos e representantes da sociedade civil expunham seus projetos e ações em curso.

O número de gente envolvida em algum aspecto da questão do clima tem multiplicado a cada encontro. Isso não passou despercebido para ninguém, nem um certo clima de euforia no ar.

Viam-se desde projetos de ilhas artificiais flutuantes para receber os desabrigados que moram nas faixas litorâneas, novos sistemas construtivos, até campanhas para salvar os mangues.

Num painel sobre financiamento de projetos, um palestrante de Harvard disse estarmos vivendo uma revolução intelectual.

Ele identificou e mostrou que nos últimos três anos houve uma mudança de apetite no mundo dos negócios, o que é compreensível.

Fala-se em trilhões de dólares o investimento a ser feito no mundo para nos adaptarmos à nova situação.

As cifras mudam dependendo de quem as anuncia, mas é certo que o dinheiro do mundo mudará de mãos na próxima década. Os candidatos a essa corrida já deram a largada, e muitos deles estavam em Paris.

O mercado é monoglota e já estão falando a sua língua. Para nós, mortais, é ótima notícia saber que muitos vão ficar bilionários da noite para o dia vendendo painéis fotovoltaicos ou baterias, à revelia dos árabes.

BRASIL

Cidades, transportes, recuperação de terras degradadas, replantio de florestas e agricultura foram os grandes temas presentes.

Pena a ministra da Agricultura do Brasil, Kátia Abreu, não ter vindo se juntar a seus colegas aqui. Sua área é responsável por 20% das emissões de gases estufa no mundo. É fato que ela não está omissa: lançou em outubro um projeto chamado "Rural Sustentável" em prol de práticas saudáveis para pequenos e médios produtores.

Foram US$ 26 milhões para as práticas saudáveis, ante R$ 94,5 bilhões para a agroindústria, que gasta grande parte disso em fertilizantes e agrotóxicos.

Fertilizantes nitrogenados liberam óxido nitroso (N2O), um dos gases que mais contribuem para agravar o efeito estufa.

Como se vê, o Brasil foi muito bem em sua atuação nas reuniões, mas na prática ainda estamos indo na contramão.

Entre projetos impressionantes que vi vale destacar A Grande Muralha Verde, que é uma faixa replantada de árvores de 27 km de largura por 6.500 km de extensão que atravessará a África do Atlântico ao Mar Vermelho, passando por 12 países.

Além de conter o Saara, ela cria um eixo verde de produção de alimentos e oportunidades para os habitantes.

Os US$ 100 bilhões por ano de ajuda aos países pobres podem colocar este e outros bons projetos em marcha.

Ao menos nisso esta crise poderá ter um lado positivo: transformar crise em oportunidade.

CONSCIÊNCIA

Nos anos 70, falávamos no fim do mundo e na chegada da era de Aquário, quando uma nova consciência nasceria. Havia de fato a possibilidade de uma guerra nuclear acabar com o planeta, mas depois disso nunca mais pensei no assunto. Até agora. Percebi que já são muitos a conviver com a catástrofe.

Sabemos que, diante de catástrofes, alguma chave é ligada no coração ou na alma humana e passamos a agir como cardume, e não como indivíduos.

Nestas horas, ninguém mede esforços para doar, empilhar sacos ou meter o pé na lama para ajudar quem está soterrado.

Presenciei este sentimento nesta COP21. Vendo milhares de pessoas circulando por corredores tentando encontrar soluções, propondo outros sistemas econômicos ou tentando recuperar o que já era dado como perdido, me ocorreu que, afinal de contas, esta pode ser a tal nova consciência nascendo. Aquilo não era só trabalho.

Ela vem de baixo, mas parece ter finalmente tocado também os de cima. O prognóstico continua sendo uma merda, mas há algo muito novo e promissor no ar. Uma vontade. Perceber isso foi a minha redenção.


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