Folha de S. Paulo


O jejum

Eram tempos diferentes, aqueles, de espera por uma vitória brasileira.

Estranhos, porque não estávamos habituados a aguardar tanto. Pelo contrário, vivíamos mal (ou bem) acostumados a ganhar toda hora, a todo domingo de GP.

Naqueles fins de anos 90 não podíamos contar mais com Emerson, Piquet ou Senna. Tudo o que tínhamos era Barrichello na Jordan ou na Stewart, Diniz na Arrows ou na Sauber, Rosset na Tyrrell...

Sim. Esperávamos, no fundo, por um milagre.

Jornalistas tiveram de mudar a maneira de noticiar F-1 no Brasil. Sem Senna, não adiantava mais colocar o foco nos pilotos brasileiros. Este foi um bom legado: passamos a escrever mais sobre o campeonato, menos sobre os ídolos de verde-amarelo heróis do nosso Brasil-sil-sil.

Eis que a Ferrari contratou Barrichello. E ressurgiu a esperança de tempos melhores.

Foram melhores, claro, mas não como imaginávamos.

Naquele 30 de julho de 2000, ele venceu de forma épica em Hockenheim, chorou, fez a sambadinha, encerrou o jejum de vitórias do país. Mas não foi muito além disso.

Ganhou outras 10 provas, mas jamais entrou numa luta por título. Na Brawn, não aproveitou a única grande possibilidade que teve de ser campeão.

E foi pela equipe inglesa, no GP da Itália de 2009, que conquistou sua última vitória na F-1. A última do país. De lá pra cá, nenhuma mais. Nesta segunda-feira, o jejum do país tornou-se recorde, superando o hiato entre a última de Senna e a tal prova de Hockenheim.

São tempos diferentes, estes.

Já não nos incomodamos tanto. Ficamos mal (mal mesmo) acostumados a não ver pilotos do país lutando por vitórias. Esquecemos como era bom.

Em situações normais de corrida, Massa na Williams e Nasr na Sauber não têm chance nenhuma de vitória.

Suspeito que deixamos de acreditar em milagres.

Jornalistas brasileiros éramos 11 na primeira vitória de Barrichello. Hoje, só 4 seguem viajando com a categoria.

O que aconteceu?

Não aproveitamos os ídolos para criar uma cultura esportiva no país. Confiamos o esporte a dirigentes mal preparados. Soberbos, apoiamo-nos nas glórias, acreditando que seriam eternas. Subestimamos a importância de investir nas categorias de base. Tratamos mal de nossos autódromos, alguns entregues às moscas e ao mato.

E, no caso da F-1, acrescentamos um ingrediente: uma mentalidade derrotista, entreguista, vira-latas, nascida na marmelada do GP da Áustria de 2002. É natural: cada geração se espelha na anterior, e os exemplos recentes não foram os melhores.

O que aconteceu?

Em suma, o mesmo que acontece todo dia neste país, desde 1500: jogamos as chances pela janela.

O jejum é recorde, mas está só começando.


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