Folha de S. Paulo


Super sincero

Há imagens que colam e que rotulam alguém por toda a vida.

Algumas, mais positivas do que o personagem merecia. Sorte do sujeito. Outras, completamente injustas. E se tornam uma espécie de maldição impossível de se livrar.

Na semana passada, a coluna falou sobre a pesada pecha que colou em Mosley por causa das cenas de sua orgia neonazista –como se ele se resumisse àquilo.

Outro caso é o de Hamilton.

Em 2007, o inglês foi a grande novidade da temporada. Bateu recordes de precocidade, conquistou seis poles, duas melhores voltas, quatro vitórias. Colocou-se na disputa pelo título, o que por si só já foi uma façanha.

Mas cometeu um erro na penúltima etapa do campeonato. E ficou marcado.

Vale refrescar a memória. O inglês chegou à China com 12 pontos de vantagem sobre Alonso e 17 sobre Raikkonen. Havia 20 pontos em disputa. O terceiro lugar em Xangai bastava para conquistar o Mundial. No sábado, marcou a pole. Na corrida, liderou as 30 primeiras voltas.

Fatura encerrada? Longe disso.

Hamilton escorregou na entrada dos boxes, saiu da pista, ficou preso na brita. É esta a imagem. A McLaren atolada, o piloto levando as mãos ao capacete.

Duas semanas depois, no Brasil, Raikkonen comemorou o título.

Pouco importa o que Hamilton fez depois, suas outras 32 vitórias e 36 poles, seus dois títulos mundiais. Ficou marcado como um piloto que sucumbe à pressão, que se enerva nos momentos-chaves, que põe tudo a perder quando ameaçado.

Um rótulo injusto?

Não. Segundo o próprio Hamilton.

Na quinta-feira, em Barcelona, ele deu uma entrevista reveladora.

"Meu pior inimigo sou eu mesmo. Todo mundo fica falando sobre guerra psicológica, mas única batalha assim que enfrento é comigo".

E teve mais. "Quero ser sempre o melhor possível. Sei do que sou capaz e fico chateado quando não consigo. Hoje, numa tentativa de volta rápida, tento ser menos errático e ficar mais calmo dentro do carro", disse, às vésperas desta quinta etapa do campeonato.

Sua sinceridade é louvável, principalmente num ambiente tão artificial e cheio de amarras como o da F-1. Reconhecer os defeitos é um passo fundamental para combatê-los.

As declarações nos dão mais elementos para entender um dos pilotos mais complexos dos últimos tempos. O talento dele é indiscutível. Saber mais um pouco sobre o que pensa, com tanta franqueza, é um presente para quem acompanha a F-1.

E, afinal de contas, qual é o problema de ser humano?

(Aliás, está aí um dos grandes problemas da categoria: fazer de conta de que é povoada por robôs.)


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