Folha de S. Paulo


Novos Sennas

Senna morreu. Senna virou herói, santo, referência máxima. Senna foi transformado em fantasma.

Sombra difícil de se lidar. Obstáculo até hoje intransponível para jovens pilotos nascidos neste país.

O primeiro a sofrer foi justamente o jovem que com ele dividia pistas mundo afora. As comparações foram fatais para o comportamento de Barrichello dentro e fora do carro, principalmente porque ele acreditou nelas por um bom tempo –erro que mais tarde admitiu e que pelo menos tentou corrigir.

"É o novo Senna?" foi manchete da "Autosprint" em 2001, ano em que Massa dominou e venceu a F-3000 europeia, uma categoria de segunda linha.

Atributos eram destacados na capa tentando estabelecer um elo entre ele e o tricampeão: "Paulista. 22 anos. Vencedor". Como se isso bastasse...

Até por estar escolado pelo caso do antecessor, Massa jamais vestiu a carapuça. Mas não adiantou muito: sem pedir, carregou peso enorme nos ombros, que só aumentou com o quase-título de 2008 e a mola de 2009.

Tenta um merecido recomeço na Williams, tem chances reais de emplacar uma vitória ou outra, mas sua carreira já está mais para o crepúsculo do que para a alvorada.

Na última terça, o "Blick", jornal suíço com tradição na cobertura da F-1, estampou na capa do caderno de esporte: "Felipe Nasr, 22 anos, piloto da Sauber: o novo Senna".

Vale a pena reproduzir parte da reportagem: "Dez pontos na corrida de estreia na F-1 é algo sensacional. O Brasil já celebra seu novo campeão mundial. Entre 1972 e 1991, o país acumulou aos pés do Pão de Açúcar oito títulos mundiais, com Fittipaldi, Piquet e Senna. Depois disso, torceu em vão por Barrichello e Massa".

Calma. Tem mais: "O 'novo Senna', como já é chamado em seu país, passou com sucesso por todas as categorias de acesso, mas manteve a modéstia. Ele tem um lema: aceleração máxima é seu café da manhã".

Assim funciona a imprensa, tantas vezes. Por mais que tenha cruzado com gente empolgada aqui e acolá, não vi ninguém chamando-o de novo Senna. Você viu?

Mas daí um jornal suíço diz que sim. E pronto, vira "verdade". Assim começa mais um caso de comparação desmedida –é bom lembrar que a Sauber, equipe dele, é suíça.

Nasr emplacou um ótimo final de semana de estreia, é verdade. Mostrou maturidade, tranquilidade, talento. Fato. A história da F-1, porém, está repleta de pilotos que pontuaram na estreia e ficaram pelo caminho, como Buemi, Liuzzi e Bourdais, para citar casos recentes.

Seu sucesso vai depender de vários fatores, inclusive carro e sorte. Mas passa obrigatoriamente pela forma como vai lidar com este fantasma.

Desconfio, até, que este seja o ponto de inflexão. O elemento mais determinante.

Porque não tem jeito. O fantasma sempre aparece.

fseixasf1@gmail.com


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