Folha de S. Paulo


Dose extra de sofrimento

RIO DE JANEIRO - O perito legista Reginaldo Franklin autorizou a suspensão das necropsias no Instituto Médico Legal do centro do Rio, na semana passada. Diretor da unidade, ele tomou uma atitude extrema, mas compreensível. Não havia como prosseguir com o atendimento em um ambiente insalubre como aquele.

As salas usadas para os exames estavam fétidas. O serviço de limpeza, até então realizado por uma empresa terceirizada, foi interrompido. Peritos do IML chegaram a contratar faxineiros por conta própria durante alguns dias, à espera de uma solução.

No prédio da instituição, paredes estão tomadas por rachaduras e infiltrações. O chão na sala usada para as necropsias é inadequado, poroso, o que já dificultava a limpeza quando existiam funcionários para esta tarefa. Tal precariedade traduz o cenário atual. O Rio é hoje um Estado conduzido por um governo sem recursos e incapaz de cumprir seus compromissos com fornecedores. No caso do IML, a crise financeira contribui para estender o sofrimento do cidadão.

Quando o atendimento ao público parou na sexta-feira (10), morreu Carlos Eduardo, 20, baleado na cabeça, na porta de sua casa no morro do Querosene, no centro do Rio. Ao ver o corpo, a mãe da vítima, Sheila Cristina Silva, 46, mergulhou as mãos no sangue do filho e passou em seu próprio rosto.

Além de lidar com o impacto da perda, foi obrigada a iniciar uma peregrinação para encontrar o corpo do filho. Por 24 horas, não soube sequer para onde ele havia sido levado. Depois, descobriu que estava no IML do município de Nova Iguaçu, a 40 km de distância do centro do Rio.

Foi até lá e descobriu que o corpo havia retornado ao IML do Rio. A unidade voltou a funcionar na segunda-feira(13), após o governo acertar o retorno dos funcionários da limpeza. Sheila conseguiu enterrar seu filho apenas no fim da tarde desta terça (14). Quatro dias após sua morte.


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