Folha de S. Paulo


Turma da Zelotes deve ouvir Curitiba

Três orquídeas do andar de cima caíram no noticiário da Operação Zelotes. O presidente do Bradesco, Luiz Trabuco, foi indiciado pela Polícia Federal, que o acusa de ter articulado a recuperação de R$ 3 bilhões em créditos tributários por meio de maquinações no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. A Justiça Federal aceitou uma denúncia semelhante contra Joseph Safra, fundador e dono do banco com seu nome. Com um patrimônio estimado em US$ 18 bilhões, ele é um dos homens mais ricos do Brasil. André Gerdau, presidente da centenária metalúrgica de sua família, com operações em 14 países, caiu na mesma rede, foi levado para depor na Polícia Federal e viu-se indiciado sob a acusação de armar o cancelamento de autuações no valor de R$ 1,5 bilhão cobrados pela Receita Federal.

Essa novela começou em 2014, quando a PF desarticulou quadrilhas de advogados e ex-auditores da Receita que vendiam serviços a empresas que deviam ao Fisco e recorriam legalmente ao Carf. Desde então, todas as empresas negam tudo.

As acusações deverão passar pela prova do juízo. A denuncia contra Safra tem pelo menos um argumento risível, quando relaciona o valor da dívida (R$ 1,5 bilhão) ao capital do banco (R$ 4,3 bilhões). Trabuco é acusado de ter cumprimentado os quadrilheiros que, mais tarde, mencionam-no numa conversa interceptada.

No centro da questão está o trabalho de um grupo de veteranos vendedores de decisões do Carf e grandes empresas que tiveram contato com eles. Na Petrobras, havia quadrilhas saqueando a companhia. No Carf, havia quadrilhas achacando empresas para lesar a Viúva. Essa diferença torna incompreensível a postura virginal da turma que caiu na Zelotes. Elas negam tudo, mas não se entende por que conversavam com os atravessadores, conhecidos desde o século passado. Replicam a soberba das empreiteiras que, até o final de 2014, negavam tudo. A casa caiu quando a Camargo Corrêa passou a colaborar com a Viúva e hoje há fila de maganos na porta do Ministério Público oferecendo-se para colaborar com o juiz Sergio Moro. Se as empresas achacadas (ou procuradas por malfeitores) colaborarem com a Justiça, todo mundo ganha, inclusive elas e seus executivos.

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CHEGOU A VEZ

Pelo andar da carruagem, a partir de agosto, a documentação da Lava Jato explodirá grão-senhores do PSDB e do PMDB nas investigações. Até lá, pingarão vazamentos, mas a partir do mês fatídico virão nomes e, sobretudo, números. Grandes nomes e grandes números.

Quem está preocupado deve tomar tranquilizantes e esperar pelo inevitável.

TESOURO

Na prospecção das arcas operadas pela rede do doutor Sérgio Machado chegou-se a um fundo de investimentos que administrava US$ 450 milhões. Na sua carteira, havia um negócio imobiliário de US$ 170 milhões em Berlim.

BRASILIONÁRIOS

Chegará em julho às livrarias americanas "Brazillionaires" do repórter Alex Cuadros. Ele viveu seis anos no Brasil, trabalhando para o serviço de notícias econômicas Bloomberg. Tinha a tarefa de acompanhar a vida e as contas dos bilionários de Pindorama.

Metade do livro cuida de Eike Batista, o cometa dos Anos Lula. O livro de Cuadros mostra que sua imagem será o símbolo dos fracassos da república dos comissários.

EREMILDO, O IDIOTA

Eremildo é um idiota. Apoia o governo de Michel Temer, mas não sabe por quê.

O doutor prometeu um ministério de notáveis, o enxugamento da máquina e o equilíbrio das contas públicas. Colocou Romero Jucá no Planejamento, demitiu o garçom Catalão e incentivou um aumento do Judiciário que poderá custar R$ 6,9 bilhões até 2019.

O mimo elevará o teto dos servidores públicos para R$ 39.293.

(Essa quantia é uma miséria se for comparada com o embolso mensal do secretário da Fazenda arruinada do Rio de Janeiro. O doutor Júlio Bueno fatura R$ 65 mil mensais.)

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O SANTO DE GILMAR

Ao recuar de sua decisão determinando a suspensão das investigações em torno do senador Aécio Neves, o ministro Gilmar Mendes mostrou que seu anjo da guarda é atento e forte.

Em dezembro de 2009, o anjo estava em férias, e o doutor, como presidente-plantonista do STF mandou soltar o médico Roger Abdelmassih. Ele se escafedeu e só foi capturado em 2014, no Paraguai.

O EIKE DELES

Em novembro de 2014, leu-se aqui um texto intitulado "Uma bilionária por quem vale torcer". Contava a história da jovem Elizabeth Holmes, de 30 anos, fundadora da empresa Theranos, que oferecia exames de sangue rápidos, baratos e acessíveis.

A moça abandonara a faculdade (como Bill Gates) usava uma espécie de uniforme (como Steve Jobs) e tivera uma ideia popular (como Mark Zuckerberg). O valor de sua empresa foi estimado pela revista Forbes em US$ 9 bilhões, com Henry Kissinger no conselho de administração.

Passados dois anos, sua tecnologia secreta é contestada pelas autoridades sanitárias, Kissinger caiu fora e a Forbes deixou de listá-la como bilionária. Talvez a Theranos valha US$ 800 milhões, a conferir.
A senhora não revolucionou os exames de laboratório, mas estimulou o exercício do ceticismo.

Ensinou que listas de revistas são apenas listas de revistas. Agora se sabe que nenhum grande investidor do mercado de inovações médicas pôs dinheiro na Theranos. Como o signatário, a imprensa compra pacotes atraída por analogias, símbolos ou marquetagens, e assim produz Eikes.

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'CALA A BOCA' VAI BEM, OBRIGADO

O litígio que envolve a delegada federal Erika Marena e seu colega Mauricio Moscardi contra o blogueiro Marcelo Auler pôs na vitrine a jurisprudência caótica em que está a liberdade de expressão no país.

Eles pediram, e obtiveram, sentenças dos juízes Nei Roberto Guimarães e Vanessa Bassani mandando que Auler tirasse de seu blog oito reportagens sobre a ação da Polícia Federal na Lava Jato.

A coisa fica feia quando se lê que a doutora Bassani determinou que o jornalista se abstivesse de publicar textos "com conteúdo capaz de ser considerado ofensivo ao delegado".

Como um pobre cristão pode descobrir o que se pode considerar ofensivo ao doutor Moscardi, ela não explicou.

Dias depois a juíza procurou esclarecer. Auler deveria se "abster de divulgar novas matérias [...] com a capacidade de caluniar ou difamar a pessoa do reclamante e que digam respeito aos mesmos fatos tidos como inverídicos". Fica faltando polir o significado de "capacidade de caluniar", bem como o de "fatos tidos como inverídicos". Há a calúnia e a mentira, fora daí, tudo é poesia.

Durante a ditadura, as ordens da censura eram claras. Tipo assim: "nenhuma referência, contra ou a favor de Dom Hélder Câmara".

A ministra Cármen Lúcia enganou-se quando disse que "cala a boca já morreu".


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