"A fama", escreveu o poeta alemão Rilke, "é a quintessência dos mal-entendidos que se juntam a um nome". A versão brasileira, devidamente aclimatada ao nosso ambiente intelectual, ficou a cargo de Nelson Rodrigues: "A nossa reputação é a soma dos palavrões que inspiramos nas esquinas, salas e botecos".
"Fundamentalismo" e "criacionismo" são alguns dos palavrões, em sentido lato, que o desconhecimento de uns e desespero eleitoral de outros vêm tentando colar ao nome de Marina Silva. O difícil, nestes casos, é saber onde termina a ignorância e tem início a má-fé.
Enquanto ela estava fora do páreo, prevalecia a indiferença condescendente. Agora que lidera as pesquisas, são todos especialistas em Marina: uma brigada de colunistas, blogueiros e franco atiradores sente-se autorizada a despejar na mídia e na cracolândia da internet uma pavorosa barragem de desinformação e preconceito saturado de rancor sobre a candidata.
Que sua ascensão a torne alvo preferencial é natural e salutar. É hora de explicitar acordos e divergências. O que espanta, contudo, é ver pretensos guardiões da ciência e racionalidade embarcarem em grosseiras inverdades factuais.
O filósofo Hélio Schwartsman, por exemplo, renuncia à costumeira acuidade e não hesita em incluir Marina na seita dos "criacionistas da Terra Jovem" . Já o físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite medicaliza o seu "fundamentalismo cristão" e atribui a "perversão intelectual" a uma "desordem do desenvolvimento neural". O Simão Bacamarte de "O alienista" não faria melhor.
Marina nunca endossou o criacionismo ou defendeu que fosse ensinado nas escolas. Ao contrário das lideranças petistas e tucanas, Dilma e Aécio à frente, que foram beijar a mão do bispo na inauguração do Templo de Salomão, ela sempre rejeitou qualquer ação visando instrumentalizar sua fé cristã com fins políticos. O seu respeito pelo Estado laico é irretocável.
Marina acredita em Deus, mas ela compreende perfeitamente que ciência e fé, bem compreendidas, habitam espaços conceituais distintos e respondem a diferentes anseios humanos, como aliás atestam a religiosidade e o teísmo de Newton, Darwin e Einstein. A fé cristã não implica o criacionismo, assim como o apreço pela ciência não implica o cientificismo.
A ciência ilumina, mas não sacia. "Mesmo que todas as questões científicas possíveis sejam respondidas", argumenta o filósofo austríaco Wittgenstein, "os problemas da vida ainda não terão sido sequer tocados". Ignorar os limites da ciência diante das questões éticas e existenciais que nos movem revela uma grave falha de formação intelectual –é a ciência como superstição.