Folha de S. Paulo


Além das interseções

— Vamos fazer as pazes?

— Fazer o quê?!

— As pazes!

— O que são pazes?

— Pazes? O plural de paz.

— E paz tem plural?

Se paz tinha plural ou não tanto fazia, porque os dois tinham acabado de perceber que fazer as pazes significava recuperar a paz de cada um. A discussão migrou para o português e, ainda investigando os plurais de outros "az", as pazes foram devidamente feitas.

As palavras nos pregam surpresas. Falamos, falamos, falamos e um belo dia elas nos gritam o seu significado. Pra mim, foi "união". Numa acalorada discussão, também querendo chegar às tais das "pazes", o significado da palavra me veio inteiro e amplificado.

Depois de muito falatório, na tentativa de compor minhas diferenças com as de meu interlocutor, usei a imagem dos conjuntos. Aqueles conjuntos A, B, AB, suas uniões e interseções, que resgatei dos bancos da escola, de minhas primeiras incursões pela matemática, só para propor que tentássemos descobrir naquele momento a nossa interseção.

Fiz dois círculos juntando meus polegares e indicadores para lembrar-lhe do que eu estava falando. Funcionou. Ajudados pela matemática, estabelecemos os nossos pontos em comum e delimitamos a zona de interseção de nossos conjuntos. Ainda era vasta.

Foi tentando figurar o que pensávamos haver de mais forte entre nós, a liga formada pelo que tínhamos de igual, que pude ver, no desenho que havia feito com as mãos, o verdadeiro significado da palavra união escancarado na potência gerada por nossas diferenças.

O conjunto de tudo o que éramos, e não apenas o que pertencia a um e a outro simultaneamente.

Abri os dedos e fiz um elo de nós. Nossa interseção ainda estava lá, mas agora se fazia ver aprisionada pela nossa união. Se tentasse separar os círculos de meus dedos, espremeria o espaço de nossos pontos em comum, mas nossas diferenças ainda segurariam o todo. Rimos.

Quantas vezes tínhamos nos sentado para achar nossos pontos em comum sem perceber a força do que nos é complementar. A força de nossas diferenças, quando agem em conjunto.

A matemática ensina. Algumas vezes até que dois mais dois são cinco.

Ilustração Zé Vicente

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