Folha de S. Paulo


Casal jogral

Os dois falavam ao mesmo tempo. Algumas palavras até coincidiam em suas bocas quando narravam o mesmo momento da experiência que viveram. Ainda assim, não deixavam de falar juntos e pareciam não se importar que meus olhos ziguezagueassem entre eles.

Tudo se confundia em minha cabeça, e eu fazia um esforço descomunal para tentar compor a história contada por aquele jogral absurdo.

Um dos maiores dilemas de um casal é contar algo que viveram juntos para os amigos. Naquela noite, a dupla parecia ter ensaiado em casa.

Era de uma rapidez! A mulher não confiava na narração do marido, queria contar os seus detalhes, ele não conseguia ceder numa paradinha e ela acabava por fazer uma tradução simultânea em "femininês".

Ilustração Zé Vicente

Acho muito rico ouvir uma mesma história vinda de pontos de vista diferentes. Não ao mesmo tempo, claro. Meu ouvido é estéreo mas minha mente ainda é mono. Fiquei com vontade de sugerir que ela deixasse ele falar tudo, para depois, então, me contar a sua versão. Mas não pegaria bem, eu pareceria uma terapeuta de casal e isso poderia até sugerir alguma outra coisa. O que me deixou fascinada foi o tempo que eles permaneceram falando juntos, completamente acostumados àquele formato. Até entendo.

Tenho percebido entre os meus que a maturidade feminina caminha para os detalhes enquanto os homens amadurecem na generalização. Uma amiga minha costuma dizer que a mulher fica chata e o homem fica bobo.

Eu não generalizaria tanto, mas confesso que eu também fico com coceira na língua quando vejo meu marido contando uma história nossa desprezando seus detalhes. Fico me policiando, mas uma hora não aguento e peço um parênteses para o recheio. Faz parte. Vivemos juntos o fato, mas fabricamos histórias diferentes.

O que o casal jogral me fez pensar é como anda cada vez mais raro uma mesa onde um fale e os outros escutem. E era uma mesa só de quatro pessoas! Eles, ao menos, contavam a mesma história. Difícil mesmo é quando um, no meio fala do outro, pergunta:

— E a Dilma, hein?


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