Folha de S. Paulo


Multa divina

Tenho saudades de quando meu nécessaire se resumia a um sabonete, uma escova de dente, uma pasta, um xampu, um Neutrox e um Avanço. Meu nécessaire engordou tremendamente durante esta minha vida de meia-idade. Engordou tanto que acaba de gerar um filhotinho.

O filhotinho já nasceu crescido pois, a cada ano que passa, meu número de cremes e afins cresce em progressão geométrica. Já passei revista na tropa. Coloquei-os enfileirados em cima da pia e encarei um a um com seriedade: "Fala a verdade: eu preciso de você?" Pois a verdade nua e crua é que sim. Sim!

Ilustração Zé Vicente

Inacreditavelmente, eu preciso de tudo o que levo no meu nécessaire. Fui colecionando os conselhos de minha dermatologista, do meu médico, das minhas amigas e hoje me encontro a léguas de distância da pequena bolsinha de bolinha de minha juventude.

Já tentei algumas vezes fazer o teste de passar uma semana sem usar nada além do básico, mas aos primeiros sinais da possível mulher das cavernas que talvez eu me torne nesse curto espaço de tempo, retrocedo e ainda castigo nas doses.

Aumentei meu nécessaire, aumentei meu necessário e, como os mililitros, o peso de minha mala também fugiu de meu controle. Acabo de passar um carão em minha última viagem: precisei pagar excesso de bagagem.

Acho meio vergonhoso você entrar num avião com mais peso do que o permitido, mas também acho uma vergonha cobrarem por isso. Excesso é excesso. Se é excesso, não pode embarcar porque não levanta voo. Ponto!

A meu ver, você teria que ficar ali, esperando na fila do check-in por passageiros minimalistas, torcendo por uma maioria masculina no avião, negociando até que seus quilos a mais se encaixassem nos quilos a menos das bagagens alheias.

E se todos tiverem excesso? Me dá uma agonia pensar num avião decolando cambaleante pelas nuvens com o excesso de peso que acaba de engordar o caixa da empresa. Mas sei que isso é mesmo só um castigo monetário, uma espécie de multa divina, intermediada pela ganância de uma companhia aérea, por inventarmos precisar de tanta coisa pra viver.


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