Folha de S. Paulo


Vivam os grafiteiros!

Adoro carros coloridos. Meu primeiro carro foi um Fusca vermelho. Tive também uma Brasília marrom, um Chevette azul, uma Parati e outros tantos carros verdes. Acho realmente um desperdício passarmos horas no trânsito olhando para uma multidão de carros cinzas e iguais.

Algumas vezes na minha vida, quando estive em dúvida, deixei o veredicto por conta da eventual passagem de um carro vermelho pelo cruzamento. Faz tempo que não uso a tática, os carros vermelhos estão cada vez mais raros.

Acho a Lei Cidade Limpa um bom projeto, mas parece que acentuou ainda mais a falta de cor do nosso trânsito sobre nossas fachadas despreparadas.

Não entendia bem o sumiço dos carros coloridos, mas, na última vez em que fomos trocar de carro, o simpático vendedor me deu a resposta. "Verde? Vai demorar mais e é mais difícil de vender." Disse também que os carros mais vendidos são os pretos, pratas e grafites.

Custo a crer que o gosto da população tenha se igualado em tons tão sombrios nos últimos anos, mas o medo de ter um carro que possa valer menos simplesmente por ser da sua cor preferida pode sim ter sido a grande força que foi tingindo de cinza nosso caótico mosaico urbano.

Entretanto, rendida ao maior poder de persuasão do mundo, o vil metal, segui a maioria e acabei comprando meu primeiro carro cinza. Agora faço parte da anaconda cinzenta e quase enlouqueço tentando achar meu carro nos estacionamentos.

Além das cores, parece que também sumiram os desenhos. A evolução da aerodinâmica aperfeiçoou as frentes e traseiras e, com medo de vender menos, uns foram imitando os outros, construindo nosso mar de carros iguais.

Hoje é quase impossível saber se um amigo já chegou numa festa reconhecendo seu carro parado na porta. Na verdade, já nem sei mais a marca dos carros dos meus amigos. Sei que eles têm lá um veículo cinzento qualquer, que precisamos olhar com cuidado para não cometermos a gafe de ignorar as diferenças que possam ter feito ele pagar duas vezes mais do que o último.

Parece até que ligo pra carros. Não ligo, mas amo as cores e os desenhos. O que acho mesmo curioso é pensar que o mesmo poder do dinheiro que nos diluiu o sonho de viver em igualdade, acabe nos equalizando em banalidades como essa. Conseguimos ter carros iguais, ainda que de marcas e preços diferentes.

Me arrependi. Da próxima vez, vou esperar pelo carro verde. E antes que eu me esqueça, vivam os grafiteiros!


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