Folha de S. Paulo


Meirelles e Maggi vão ao paraíso (fiscal), lugar para muito poucos

Ueslei Marcelino/Reuters
Brazilian Finance Minister Henrique Meirelles gestures during a news conference in Brasilia, Brazil September 5, 2017. REUTERS/Ueslei Marcelino
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, filiado ao PSD

Vamos acreditar que o ministro Henrique Meirelles seja de fato inocente, como alega, no novo dossiê sobre pilhas de dinheiro enviados para paraísos fiscais - os chamados "Paradise Papers".

Estendamos a presunção de inocência ao outro ministro que surgiu na lista, o da Agricultura, Blairo Maggi.

Vale idêntico raciocínio para pesos pesados do setor privado, igualmente detectados no novo dossiê, caso de Jorge Paulo Lemann, o homem mais rico do Brasil, e seus parceiros na InBev, Carlos Alberto da Veiga Sicupira e Marcel Herrmann Telles, conforme relato desta segunda-feira (6) do "Poder360", o site que cobre o poder como poucos.

Ainda assim, ambos os ministros –e todos os demais envolvidos na nova leva de documentos revelados pelo valioso Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos– participam de um sistema que é uma imensa falha tectônica no capitalismo.

Não cometeram crimes, pelo menos até onde se sabe, ao contrário das suspeitas que pairaram sobre o dossiê anterior (os "Panama Papers"). Aliás, a comparação entre os dois lotes de revelações está perfeitamente estabelecida no editorial de Jérôme Fenoglio, diretor de "Le Monde", para a edição desta segunda:

"Em 2016, os dados dos 'Panama Papers' permitiram sondar os rios subterrâneos de dinheiro sujo, nos quais se misturam as águas turvas da evasão fiscal e os fluxos negros dos rendimento do crime. Desta vez, é toda uma outra cartografia que desenham as montagens financeiras dos empregados da Appleby [escritório especializado em abrir empresas em paraísos fiscais]: é [a cartografia] das numerosas falhas do sistema fiscal internacional, exploradas por esses advogados de alto voo para permitir a uma ínfima minoria de ultrarricos e de multinacionais escapar às taxas e aos impostos, sempre permanecendo nos limites da lei".

Não há crime, mas aplica-se, especialmente no caso do ministro Henrique Meirelles, o antigo lugar comum de que à mulher de César, não basta ser honesta; tem também que parecer honesta.

Participar de qualquer esquema em paraíso fiscal –ainda que honestamente e declarando o investido à Receita, como fez Meirelles é dar combustível a um mecanismo sinistro: um estudo do economista Gabriel Zucman citado pelo "Financial Times" em 2016 demonstra que haveria cerca de US$ 7,6 trilhões (R$ 25 trilhões) estocados em paraísos fiscais. Equivalem a 8% da riqueza mundial. Ou a 4,2 "brasis" escondidos do fisco em contas opacas.

Se paraísos fiscais fossem, além de legais, também saudáveis, não haveria um esforço permanente do G20, o clubão das 20 maiores economias, para colocar limites a eles, desde a sua primeira cúpula, a de 2008.

Detalhe relevante: como presidente do Banco Central de Lula, Meirelles participou de meia dúzia dessas cúpulas.

O G20 não é uma assembleia de comunistas ou de anarquistas. É o guardião das essências do capitalismo –tanto que em uma das cúpulas, o então presidente francês, Nicolas Sarkozy, disse que um dos principais objetivos dela era "moralizar o capitalismo", em referência específica ao cerco aos paraísos fiscais.

Não seria nada mal se expoentes do capitalismo no Brasil contribuíssem com esse esforço –de resto muito pouco produtivo, como se vê pela relação de personalidades citadas nos "Paradise Papers".


Endereço da página:

Links no texto: