Folha de S. Paulo


Obama deu pleno sentido à ideia de respeitar dignidade do cargo

Yin Bogu/Xinhua
O presidente americano, Barack Obama, na última entrevista coletiva em 2016, na Casa Branca
O presidente americano, Barack Obama, na última entrevista coletiva em 2016, na Casa Branca

O presidente Barack Obama suspeita que, se estivesse habilitado para disputar de novo a Presidência este ano, "teria mobilizado a maioria dos americanos" a seu favor.

Acredito que ele está certo, mas há uma importante omissão na frase de Obama: também Hillary Clinton mobilizou a maioria dos norte-americanos, tanto que ficou 3 milhões de votos à frente de Trump.

Não está claro, no entanto, se Obama, em vez de Hillary, seria capaz de ultrapassar a armadilha do Colégio Eleitoral que foi, afinal, quem elegeu Trump.

Não importa. O que realmente importa é que Barack Hussein Obama deixará saudades. Nem tanto pela sua gestão, que só os norte-americanos estão em condições de avaliar. E avaliaram bem, a julgar pelo fato de que a candidata a que Obama deu apoio incondicional teve 3 milhões de votos a mais que seu principal adversário.

Um resultado compatível com a perene percepção de que o eleitorado vota com o bolso: por uma tremenda ironia, o Trump que tratou durante a campanha de dinamitar o legado de Obama assumirá a Casa Branca com a economia mais forte do que qualquer outro presidente encontrou na história recente.

Mais exatamente, desde os anos 80, quando George Bush pai assumiu em situação mais favorável.

Obama lembrou, ao longo de seu mandato, que chegou ao governo quando a economia decepava 800 mil empregos por mês. Agora, há praticamente pleno emprego.

A grande sombra sobre os anos Obama vem da política internacional. Não há espaço aqui para analisá-la ponto a ponto, mas basta dizer que a influência dos Estados Unidos ficou menor.

Seria até bom que ficasse, se a comparação fosse com o intervencionismo na América Latina, que gerou um punhado de ditaduras nefandas, no Brasil inclusive.

Mas a comparação, agora, seria com outro tipo de ditaduras, como a de Bashar al-Assad na Síria. Se Obama tivesse adotado uma zona de exclusão aérea sobre a Síria, nos primórdios do conflito, muito provavelmente teria evitado os bombardeios do regime com as chamadas "barrel bombs" que tantas vítimas fizeram. No limite, talvez tivesse contido o genocídio em Aleppo.

Luzes e sombras à parte, o que mais impressiona em Obama é a dignidade com que se comporta na função. Deu pleno sentido à expressão "majestade do cargo", que os analistas e jornalistas usamos tantas vezes para cobrar dos governantes que não avacalhem o mandato que lhes foi conferido.

Nenhuma suspeita de corrupção dele próprio ou de seu entorno imediato ou nem mesmo do conjunto do governo. Vista da América Latina, só por isso sua gestão já mereceria a canonização.

Nenhum ex-abrupto, nenhuma grosseria —nem mesmo quando adversários usaram e abusaram de acusações ou suspeitas infames.

O que assusta é que seu sucessor, sem ter tido o voto da maioria dos norte-americanos, é o exato oposto. Da compostura de Obama à vulgaridade de um reality-show como promete ser a presidência Trump, a América dá um triplo carpado de tirar o fôlego.


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