Folha de S. Paulo


Na Tailândia, o alvo é o símbolo da paz

O relicário Erawan, atingido na segunda-feira (17) pelo mais letal atentado terrorista da história de Bancoc, foi construído em 1956 para afastar a superstição de que a má sorte perseguia os trabalhadores na construção de um hotel de luxo no local.

Deu certo até o dia 17: depois de inaugurado, os problemas desapareceram, o que, pelas crenças locais, significava que o deus hindu Brahma, ao qual é dedicado, protegia o local e a cidade.

Rachen Sageamsak - 17.ago.2015/Xinhua
Imagem feita com celular mostra local explosão em Bancoc na segunda-feira (17)
Imagem feita com celular mostra local explosão em Bancoc na segunda-feira (17)

Embora o deus seja hindu, o santuário é uma mistura das crenças hinduísta e budista. A esta última aderem 85% dos tailandeses, o que significa que, somados aos hinduístas, o atentado atingiu o coração da fé tailandesa.

É natural, portanto, que as suspeitas iniciais se voltassem para estrangeiros. Escreveu, por exemplo, para a BBC Pavin Chachavalpongpun:

"A cultura tailandesa é budista e valoriza a tolerância religiosa. Um ponto religioso [como o santuário Erawan] não é o tipo de alvo que qualquer rebelde tailandês escolheria, o que sugere que quem está por trás do ataque pode não ser tailandês".

Discorda indiretamente Ishaan Tharoor, no jornal "The Washington Post", ao lembrar que há uma insurgência, de baixa intensidade, nas províncias do sul, junto à fronteira com a Malásia, habitadas predominantemente por muçulmanos malaios.

Haveria certa lógica, portanto, em que muçulmanos em guerra com um Estado de maioria budista atacassem um dos mais populares símbolos do budismo/hinduísmo.

Mas o segundo ataque, nesta terça-feira (18), em local que, como o anterior, é muito frequentado por turistas, mas nada tem de religioso, enfraquece essa suposição.

O governo, indiretamente, aponta para a oposição à ditadura militar instalada em maio do ano passado, depois de meses de manifestações violentas contra o governo de Yingluck Shinawatra, irmã do verdadeiro líder de sua coligação, Thaksin Shinawatra, exilado em Dubai.

A oposição, ao visar o turismo, estaria atirando por elevação contra o governo, na suposição expressa por líderes militares.

Seja qual for o instigador do ato, tem razão Veera Prateepchaiul, colunista do "Bangkok Post", ao escrever que se trata "da mesma mentalidade compartilhada por extremistas islâmicos como os do Estado Islâmico, do Boko Haram e do Taliban, que não hesitam em matar ou mutilar, não importando se as vítimas inocentes são crianças, mulheres ou idosos".

É um sinal dos tempos que essa mentalidade esteja afetando um país como a Tailândia, que, apesar de seus conflitos internos, está (ou estava) afastado do epicentro dos conflitos em que o terrorismo encontra terreno fértil para prosperar.

Uma bomba contra Buda/Brahma (conhecido localmente como Phra Phrom), símbolos da paz, é a quintessência do horror.


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