Folha de S. Paulo


Brasil, olho na Venezuela

Se o governo brasileiro quer, de fato, ajudar a atenuar o fogo da crise na Venezuela, precisa levar às últimas consequências trecho do comunicado conjunto dos presidentes Barack Obama e Dilma Rousseff.

Diz o texto: "Os presidentes reconheceram os esforços do Brasil e da Unasul (União de Nações Sulamericanas) para a promoção do diálogo político na Venezuela e para a realização de eleições legislativas com credibilidade, transparência e monitoramento internacional, em dezembro".

A chave no quesito "monitoramento internacional" é chamar a OEA (Organização dos Estados Americanos) para participar do monitoramento.

O antecedente mais próximo, a eleição presidencial de 2013, indica claramente essa necessidade, se o objetivo é estimular uma eleição com credibilidade.

Em 2013, a Unasul, na qual os bolivarianos têm uma estridência que acovarda os demais, reconheceu imediata e incondicionalmente os resultados proclamados pelas autoridades eleitorais e que davam a vitória a Nicolás Maduro.

Já a OEA recomendou que fossem ouvidos os pedidos para uma auditoria e recontagem dos votos, conforme solicitava a oposição.

Agora, já está praticamente estabelecido que a Unasul fará de novo o acompanhamento, mas o novo secretário-geral da OEA, o uruguaio Luis Almagro, quer entrar no jogo também.

Almagro considera "fundamental" a participação da instituição panamericana, "importante para a Venezuela e importante para o hemisfério".

Até a União Europeia se dispõe a "contribuir com eleições inclusivas, críveis e transparentes", no que estão automaticamente de acordo com a posição comum de Obama e Dilma.

É claro que esse desejo de colaboração, tanto da OEA como da UE, traz embutida a desconfiança na lisura com que as autoridades venezuelanas conduzirão a eleição parlamentar já convocada para 6 de dezembro.

Desconfiança fácil de explicar: com uma tremenda crise econômica em evolução e níveis de violência que são recorde mundial, o natural é que o governo perca a eleição. Em sendo assim, é previsível que, com sua índole inequivocamente autoritária, o governo faça o diabo para não perder (já está fazendo, aliás).

O ambiente em que transcorrerá o pleito e a campanha eleitoral é assim descrito, com precisão, por Luís Vicente León, diretor de Datanálisis, o mais respeitado instituto venezuelano de pesquisas: "Se engana quem acredita que esta será uma batalha fácil para qualquer uma das partes".

Por isso mesmo, o monitoramento das eleições não pode se limitar ao dia do voto. Terá que ser feito ao longo da campanha, para assegurar que o pleito seja de fato justo e livre, as duas palavrinhas com que a comunidade internacional confere um selo de qualidade à eleições mundo afora.

Só assim a oposição reconhecerá a vitória do governo, se houver, e o governo será obrigado a conquistá-la limpa e honestamente, sem as suspeições que até hoje sobrevoam o pleito de 2013.

De quebra, o bom encaminhamento da votação na Venezuela servirá de teste para a reaproximação Brasil/EUA.


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