Folha de S. Paulo


Violência 'oficial' contra gays no país é só a ponta do iceberg

O pior massacre a tiros da história dos EUA me remete ao que anda acontecendo no nosso quintal, na violência que vitimiza a comunidade LGBT no Brasil diariamente. No mesmo dia em que ao menos 49 pessoas foram mortas em uma boate LGBT em Orlando (EUA), um colega da redação era agredido e assaltado no largo do Arouche, reduto da comunidade gay em São Paulo e região-alvo de ladrões e homofóbicos.

Um dia antes, no sábado (11), um casal de homossexuais foi agredido por seguranças do Centro de Tradições Nordestinas, na zona norte de São Paulo. Eles acusam os agressores de homofobia. Dizem ainda que dois policiais militares viram parte das agressões e nada fizeram.

Segundo o último relatório de violência homofóbica, publicado em janeiro pelo Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, ao menos cinco casos de violência homofóbica são registrados todos os dias no Brasil em 2013. Mas até mesmo as autoridades admitem que as denúncias, envolvendo 1.906 vítimas, só representem a ponta do iceberg.

Muitos gays (inclusive o meu colega acima) nem chegam a registrar boletins de ocorrência sobre as agressões e roubos porque sabem que as queixas não serão investigadas ou porque temem serem hostilizados pela própria polícia. Comportamento, aliás, muito semelhante ao das mulheres vítimas de estupro, o que me faz acreditar que, por trás disso tudo, existe um caldo em comum, o machismo.

A falta de campanhas que incentivem a denúncia, associada à inexistência de um marco legal que regulamente a punição de atos discriminatórios contra a população LGBT, também engrossam esse caldo.

De acordo com o relatório divulgado em janeiro, a grande maioria das denúncias se refere a homens (73%), de cor negra ou parda (40%) e jovens de 15 a 30 anos (55%). Violências psicológicas (ameaças, humilhações e hostilidades) são as mais frequentes, respondendo por 40% dos casos, seguidas de discriminação (36,4%) e violência física (14,4%).

O Grupo Gay da Bahia, que há 30 anos retrata e denuncia a homofobia no país, reporta que em 2015 pelo menos 318 pessoas foram mortas vítimas de homofobia. A apuração é feita com base nas notícias que saem na imprensa. Não há, porém, dados oficiais fidedignos sobre o número de mortes por razões homofóbicas porque elas acabam entrando no bolo dos homicídios e latrocínios, por exemplo.

O caso do jornalista e ativista do movimento LGBT Lucas Fortuna, morto em 2012 aos 28 anos, é um exemplo. Ele foi espancado e morto por dois homens e jogado ainda vivo o mar em Santo Agostim, na Grande Recife (PE). Em 2015, os assassinos foram condenados a 21 e 25 anos de prisão pelo crime de latrocínio. Detalhe: os assassinos não levaram dinheiro e nem os cartões de crédito do jornalista.

Para o pai de Lucas, o agricultor Avelino Mendes Fortuna, o crime foi por razões homofóbicas e não serviu para conscientizar a população sobre a morte de homossexuais. "Milhares de outros gays têm sido mortos da mesma forma e nada tem sido feito. Os crimes não diminuíram, e o ódio dessas pessoas está cada vez mais forte, só tem aumentado. A situação ficou foi pior", disse ele em 2015.

Com tanta gente por aí apoiando as ideias e as falas homofóbicas do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), inclusive gays declarados, fica difícil não concordar com o "seu" Avelino. Sim, a situação está ficando muito pior.


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