Folha de S. Paulo


Perseguição aos desiguais, teorias de inteligência e racismo

Video - 17.mar.2017/Associated Press
In this Friday, March 17, 2017, image made from video, Rosmaida Bibi, right, who suffers from severe malnutrition, sits with her 20-year old mother Hamida Begum outside their makeshift shelter at the Dar Paing camp, north of Sittwe, Rakhine State, Myanmar. Rosmaida Bibi looks a lot like any of the underfed 1-year-olds in a squalid camp for Myanmar's displaced ethnic Rohingya minority - but she's 4. She cannot grow, and her mother can't find anyone to help her because authorities won't let Rohingya leave the camp. (AP Video) ORG XMIT: XGA104
Hamida Begum, 20, e sua filha, Rosmaida Bibi, refugiadas rohingya

Os conflitos envolvendo os muçulmanos rohingya em Mianmar têm escalado nos últimos dias, levando a uma fuga em massa em direção a Bangladesh. Agressões, estupros e assassinatos de crianças têm sido frequentes, boa parte cometidos por forças militares, em resposta a eventuais insurgências dessa minoria, que não tem direitos de cidadania birmanesa.

Nesse contexto, o preconceito e o racismo não desempenham papel menor. Lá, assim como em outros países, minorias étnicas ou religiosas são consideradas inferiores, o que justifica que se lhes exclua o acesso a serviços públicos básicos e a direitos de que grupos majoritários desfrutam.

É importante lembrar que a esses prejulgados se aliam concepções sobre a inteligência dos grupos considerados inferiores, por vezes apoiados em estudos pseudocientíficos em voga no início do século 20, associados geralmente ao movimento eugenista. Assim, em 1913, Henry Goddard, ao estudar os imigrantes de Ellis Island, nos Estados Unidos, afirmava que 83% dos judeus, 80% dos húngaros e 79% dos italianos tinham um intelecto limitado e, portanto, não deveriam ser admitidos no país. Lewis Terman, poucos anos depois, dizia o mesmo de famílias mexicanas e negras, recomendando que fossem criadas escolas separadas, mais fáceis, para esses grupos.

Uma versão atualizada dessas ideias ainda prospera em muitos países e o Brasil não é uma exceção. Nela se concebe a inteligência como inata, fixa e distribuída desigualmente não apenas entre grupos étnicos ou sociais como entre regiões do globo e de um mesmo país (o que dizer, nesse caso, de certa elite inculta que atribui os problemas de São Paulo aos nordestinos, mesmo que o melhor sistema brasileiro de educação pública seja o do Ceará?).

Ora, como afirma a psicóloga Carol Dweck, a inteligência não é fixa e pode ser desenvolvida, desde que se ofereçam ensino de qualidade e um ambiente de aprendizagem que valorize esforço, perseverança e resiliência. Não há evidências de que a natureza tenha privilegiado um conjunto de seres humanos com capacidades intelectuais superiores e que os demais tenham talentos limitados e imutáveis.

A ideia de proteger raças contra genes mais frágeis ou de separar escolas para públicos menos brilhantes, oferecendo uma educação de segunda linha, não apenas é incorreta como fere direitos. É fundamental que se tenham altas expectativas de aprendizagem para todos. Se não atacarmos essas concepções limitantes, estaremos não apenas adotando políticas públicas equivocadas, mas destruindo, assim como hoje ocorre com os rohingya, o futuro de muitas crianças e jovens, por privação de direitos básicos de cidadania.


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