Folha de S. Paulo


O cenário Deivid

O impeachment de Dilma Rousseff continua bastante provável, pelos motivos expostos nas últimas colunas. A classe política quer entregar Dilma à opinião pública para diminuir a pressão da Lava Jato, o PMDB enxergou a possibilidade de conquistar a Presidência, o PSDB deixou de insistir em novas eleições depois das denúncias contra Aécio Neves, a elite econômica deseja ardentemente que a crise política acabe, e, é claro, o PT está fragilizado por seus próprios erros.

Enfim, o gol está aberto para a oposição. Mas gol aberto é hora de lembrar de Deivid, ótimo centroavante que jogou nos maiores times do Brasil e na seleção. Dentro de uma carreira cheia de títulos e artilharias, o gol perdido por Deivid na semifinal da Taça Guanabara de 2012 é só um episódio pitoresco. Mas ninguém esquece: a poucos centímetros da linha do gol, sem goleiro, Deivid chutou na trave.

Como seria um momento Deivid da turma que quer derrubar Dilma? O cenário mais provável envolve o mesmo "baixo clero" parlamentar que foi tão importante na ascensão de Eduardo Cunha e agora pode, em tese, impedi-lo de entregar o impeachment que lhe compra a invisibilidade.

Os parlamentares ideológicos já estão divididos com relação ao impedimento. Nem a direita nem a esquerda têm chance de conseguir os votos necessários sem apelar para a massa de partidos que são pouco mais que máquinas de extração de rendas (o PMDB incluso). A batalha do impeachment tirou a centralidade do conflito PT versus PSDB e tornou o clero cada vez mais baixo cada vez mais decisivo.

A oposição conseguiu uma grande vitória atraindo o PMDB inteiro (ou tão inteiro quanto o PMDB jamais será) para o campo do "Fora, Dilma". O preço será alto: o PSDB e seus satélites terão que aceitar o papel de coadjuvantes em um governo Temer.

Enquanto isso, o governo tentará conquistar os mais ou menos setenta votos que lhe faltam atraindo gente de partidos como o PP para as vagas deixadas abertas pelo PMDB. O PP é aquele mesmo.

Qual a chance disso dar certo? É um jogo difícil. Sem o PMDB na disputa, o PP pode ambicionar cargos que antes estavam fora de seu alcance. Mas nada disso adianta se Dilma cair. A conta que os mais de cem deputados de partidos grotescamente irrelevantes do parlamento brasileiro estão fazendo, portanto, é: só vale a pena ir para o governo se mais gente também for. Se todos os irrelevantes se juntarem ao governo, Dilma não cai, e esses partidos entram na primeira divisão. Se não se juntarem, Dilma cai. O que ninguém quer é apoiar o governo, pagar o custo de tê-lo feito, e depois cair com o PT.

Enfim, só não é possível cravar o impeachment de Dilma porque talvez já haja gente demais querendo ser o que o PMDB foi até outro dia para que a nova jogada do PMDB dê certo.

Um governo Temer continua muito provável, por tudo que já foi dito. E o apoio da elite econômica deve galvanizar deputados que dependem de contribuições de campanha.

Mas é bom lembrar que, embora a zaga petista tenha se distraído do jogo olhando aquela grama toda tão apetitosa, o atacante adversário está sob cerrada marcação da natureza.

Agora olhem para todos esses cenários com PMDB e PP e me expliquem de novo por que valeu a pena começar a guerra do impeachment.


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