Folha de S. Paulo


Mundo Econômico

PANORAMA MUNDO: DESDOBRAMENTOS DA CRISE NA CHINA

Depois de mais de US$ 5 trilhões terem sido retirados do mercado acionário global em agosto, o mundo ainda espera por sinais da China que indiquem a real situação da economia do país.

O governo chinês aumentou seus gastos, reduziu a taxa de juros e o depósito compulsório para melhorar a perspectiva de crescimento, visando recuperar parcialmente o valor das ações. O principal motivo para isso é que boa parte da compra de ações por chineses tem sido realizada na margem, o que significa que os investidores tomaram um empréstimo para investir. Os valores emprestados chegam a 5 trilhões de yuans (ou US$ 783 bilhões).

Aparentemente, o governo chinês impôs uma espécie de nível mínimo para a Bolsa, o que é visto como temporário, já que investidores estrangeiros não acreditam na qualidade das ações cujo preço o governo chinês mantém artificialmente elevado.

É possível reconhecer porque parte dos investidores estrangeiros crê que a Bolsa ainda está sobrevalorizada. Apesar de um crescimento menor do que no período anterior a 2014, o valor total das ações da Bolsa chinesa cresceu vertiginosamente. Ou seja, o valor das ações se inflou sem respaldo da economia real, gerando a bolha.

Trading Economics/Samy Dana

Há, portanto, uma expectativa de que o governo pare de intervir no mercado e deixe as ações se desvalorizarem para seus níveis 'certos'. Essa expectativa gerou instabilidades em investimentos ao redor do mundo.

Até mesmo o ouro, um dos investimentos preferidos para as pessoas que, em tempos de crise, querem se proteger das instabilidades, tem oscilado por não ter mais o mesmo valor monetário e por causa da expectativa de elevação da taxa de juros americana —que aumentaria o retorno de outros investimentos, diminuindo a atratividade do metal, cujos ganhos independem da taxa de juros.

Os principais destinos para investimentos considerados seguros foram o iene (moeda japonesa), que se valorizou e afetou negativamente as exportações japonesas, e os títulos de dívida.

Estudando os movimentos do dragão chinês, analistas tentam decifrar o real estado da economia chinesa. Nessa missão, os olhos do mundo estão voltados para a Austrália, considerada agora como uma espécie de canarinho.

O motivo é simples: como uma das economias mais expostas à China, a Austrália tenderá a responder de forma mais rápida às mudanças chinesas e a refletir em sua economia a tendência da economia chinesa. Com a redução de quase 15% da demanda chinesa nos primeiros sete meses de 2015, as expectativas não são muito otimistas. Neste link, você encontra um gráfico interativo para melhor compreender o impacto da redução das importações chinesas em outras economias.

Apesar das instabilidades internacionais geradas pela Bolsa chinesa, as expectativas de que o banco central americano eleve as taxas de juros em setembro aumentaram, dada a afirmação do vice-presidente do Fed de que há bons motivos para crer na aceleração da inflação nos Estados Unidos.

PANORAMA BRASIL

Tanto a elevação da taxa de juros nos Estados Unidos quanto o menor crescimento econômico chinês afetam o Brasil diretamente.

As consequências de uma China mais fraca são a redução das exportações brasileiras, que alimentam o consumo e a produção chinesa com commodities. Isso não seria tão grave se as commodities não fossem cada vez mais importantes na pauta de exportações, dado que a indústria brasileira tem retrocedido de forma significativa desde 2014.

A elevação da taxa de juros americana tornará empréstimos, títulos e outros ativos que rendem de acordo com juros mais interessantes nos Estados Unidos, podendo diminuir esse tipo de financiamento no Brasil. Para não reduzir o acesso ao crédito, o Banco Central brasileiro teria que elevar a taxa básica de juros da economia e, assim, anular os efeitos de uma taxa de juros americana maior.

No entanto, com juros mais altos, as taxas pagas sobre a dívida pública se tornariam maiores e seriam um inibidor para investimentos produtivos —tão necessários no cenário atual. Nos últimos 12 meses, o Estado brasileiro pagou 7,92% do PIB (R$ 452 bilhões) em juros sobre a dívida. O alto custo do pagamento de juros provém em boa parte do crescimento da dívida pública ao longo dos últimos anos.

Os custos da dívida pública geram, porém, problemas políticos. O orçamento anual proposto pelo governo (de acordo com a Lei de Diretrizes Orçamentárias) para 2016 prevê um superavit primário (dinheiro que sobraria após o pagamento de todas as despesas do governo, com exceção do pagamento de juros da dívida pública) de 0,7% do PIB. O problema é que a meta de 0,7% do PIB só seria atingida com a restauração da CPMF (uma alíquota de 0,38% sobre operações financeiras).

A forte resistência à volta da CPMF por empresários e membros do Congresso, como também outros aumentos de impostos, inviabiliza essa opção no momento. Outra possibilidade seria reduzir os gastos públicos, como proposto pelo ministério da Fazenda, mas a presidente Dilma, no momento, ainda considera elevar os gastos públicos. Atualmente, sem a volta da CPMF, o orçamento proposto para 2016 é deficitário.

O fechamento previsto pelo governo para as contas públicas —na proposta de Orçamento da União para 2016 divulgada pelo Ministério do Planejamento— é de deficit de R$30,5 bilhões (aproximadamente 0,5% do Produto Interno Bruto), muito abaixo da meta anterior, de superavit de R$ 34 bilhões.

Além dos juros americanos, a própria inflação interna estimula um aumento dos juros para conter o aumento dos preços. Contendo a inflação ao elevar os juros, porém, o governo estaria prejudicando o investimento interno, que seria importante para elevar a arrecadação pública e sair da atual recessão.

De acordo com a proposta de Orçamento da União, a recessão econômica deve ser mais forte que a inicialmente esperada: de contração de 1,49%, a projeção atual é de que ela aumente para 1,8% em 2015.

Já as previsões do mercado financeiro indicam uma retração ainda maior. De acordo com o boletim Focus, do Banco Central, a previsão para o PIB de 2015 e 2016 é de retração de 2,26% e 0,40%, respectivamente.

Post em parceria com Álex Mondl von Metzen, graduando em economia pela Fundação Getulio Vargas e consultor pela Consultoria Junior de Economia


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