Folha de S. Paulo


Como surgem as notas frias

Você roubaria R$ 10 do caixa da sua empresa? Provavelmente não. No entanto, é comum ouvir o taxista questionar o valor que você deseja colocar no recibo. Caso você nunca tenha passado por essa cena, ela pode parecer um pouco surreal, mas a pergunta está relacionada à prática de pedir um valor mais elevado do que o gasto efetivamente na corrida para "receber" alguns trocados a mais na hora de entregar todos os recibos corporativos do mês.

Você paga R$ 15 pela corrida, mas fica com um recibo de R$ 25 - e ganha R$ 10 na operação.

O resultado final para a empresa é o mesmo - você se apropriou de R$ 10 da empresa. No entanto, como a ação não envolve você desviar os recursos ou retirar uma parte de um pagamento recebido pela companhia, a sensação é diferente.

O economista comportamental Dan Ariely explica: "Quando olhamos o mundo a nossa volta, grande parte da desonestidade que vemos envolve trapaças a um passo de distância do dinheiro. As empresas trapaceiam nos métodos de contabilidade; os executivos trapaceiam nas opções de ações com datas retroativas; os lobistas trapaceiam patrocinando festas para os políticos; os fabricantes de remédios trapaceiam pagando férias caras para médicos e esposas. Com certeza, essa gente não trapaceia com dinheiro vivo (a não ser ocasionalmente) e esta é a questão: trapacear é muito mais fácil quando se está a um passo de distância do dinheiro".

Para comprovar a sua tese, fez um experimento em um dos dormitórios do MIT. Colocou meia dúzia de latinhas de Coca-Cola em uma das geladeiras comunitárias do alojamento e um prato com seis notas de R$ 1 em outra. Em 72 horas, as Coca Colas haviam desaparecido, mas as notas de dinheiro continuavam lá.

O resultado mostra que para nós é mais fácil trapacear com objetos não-monetários do que quando a situação envolve dinheiro. O que está por trás disso é a racionalização. É mais fácil pensar em todas as latinhas de refrigerante que você já deixou na geladeira e que acabaram sumindo e que, por isso, não tem problema pegar uma latinha que apareceu na geladeira, do que encontrar uma boa explicação para pegar notas de dinheiro que não são suas.

A diferença, explica Ariely, não é o preço do item ou o medo de ser pego, mas a "capacidade das pessoas de justificar o item para elas mesmas". Em outro estudo, ele descobriu que se não é você que faz os seus relatórios de despesas, e sim um auxiliar administrativo ou secretária, fica ainda mais fácil de incluir "notas frias". Quanto mais distante você está do ato, mais chances você tem de trapacear.

Post em parceria com Carolina Ruhman Sandler, jornalista, fundadora do site Finanças Femininas e coautora do livro "Finanças femininas - Como organizar suas contas, aprender a investir e realizar seus sonhos" (Saraiva)


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