Folha de S. Paulo


Para sair da contramão do saber

Um dos temas que esta coluna mais tem enfatizado -com grande suporte de leitores- é a necessidade de o jornal dedicar mais espaço e prioridade à cobertura de temas de educação.

Por isso, foi com grande satisfação e esperança que muita gente se deparou no domingo com a chamada que anunciava a criação, a partir de segunda, de uma página semanal para tratar desses assuntos.

Era menos do que se poderia esperar (uma página semanal num diário que nos anos 1970 e 1980 tinha quase três diárias para isso), mas melhor do que o quase nada existente. Não serei eu a me apressar em emitir opinião definitiva sobre a nova seção. Mas sem dúvida a estreia de Saber foi decepcionante.

A abordagem de questões seriíssimas e complexas que constam da enorme arte e do curto texto que a compõem é superficial. Tenta-se chegar a conclusões com base em um ou outro estudo, isoladamente e mal explicados, apesar de ser provável que outros os contestem.

Além disso, reduz-se o "sucesso" na educação à aprovação em exames, a ter nota mais alta em provas, o que é uma visão excessivamente limitada do "saber". E a redução à rápida comprovação ou não de "mitos" é incompatível com a constatação de que inúmeras variáveis interagem no ensino.

Vários leitores expressaram pontos de vista semelhantes. Dagmar Zibas, doutora em educação pela USP, escreveu: "É necessário sempre considerar que o processo educacional é complexo e multidimensional. O enfoque de apenas um aspecto nunca será suficiente para melhorar a qualidade do ensino.

Salários dignos, planos de carreira sólidos e motivadores, melhores estruturas físicas e pedagógicas das escolas e adequada e constante formação em serviço da equipe escolar são fatores indispensáveis para o aumento do rendimento dos alunos. No entanto, essas condições não podem ser consideradas isoladamente; ao contrário, devem ser tratadas como um conjunto básico, estruturante de qualquer política".

O leitor Edmir Figueiredo argumenta: "Os problemas da educação são históricos, envolvem debates claros sobre objetivos e finalidades por especialistas inteirados sobre a realidade escolar".

O filme abaixo ilustra como até em sociedade por tempos considerada exemplar em educação, a deterioração de certas condições pode desencadear retrocessos.

Aliás, um consenso nesta controvérsia é que nenhum elemento sozinho pode ser responsável pela qualidade do ensino, como mostra um dos capítulos do livro indicado.

O próprio texto de Saber reconhece isso. Mas tal ressalva, feita em poucas linhas, se dilui na escandalosa roda da fortuna da "verdade ou mentira" que atrai e concentra o olhar e a atenção.

Para não permanecer como começou, na contramão do saber, a muito bem-vinda nova página precisa abandonar o reducionismo, a supersimplificação e o maniqueísmo.

PARA LER
"A Qualidade do Crescimento", vários autores, Editora Unesp, 2003 (a partir de R$ 51)

PARA VER
"Mr. Holland - Adorável Professor", de Stephen Herek, 1995 (no canal de TV paga Telecine Light em 31 dezembro, às 10h30; em VHS usado a partir de R$ 20 ou em DVD importado a partir de R$ 70,90)


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