Folha de S. Paulo


Astronauta faz fiasco na Lua

Na sua autobiografia, "Magnificent Desolation" (Magnífica Desolação), lançada para comemorar os 40 anos da chegada do homem à Lua, o astronauta Edwin Aldrin, que com Neil Armstrong desembarcou no satélite em 20 de julho de 1969, fala sobre o pai, um coronel da Força Aérea, que ele chama de "opressor".

Ele não confirma a história muitas vezes contada de que as primeiras palavras do velho Aldrin quando o filho chegou em casa após a missão da Apolo 11 foram: "Nem lá em cima você consegue ser o primeiro?". Mas relata situações em que o pai deixou claro que segundo ou terceiro lugares obtidos pelo filho não representavam muito em sua avaliação.

Pais não são os únicos que exageram no rigor com que cobram o desempenho de alguém. Veículos de comunicação também. Às vezes, eles criam enormes expectativas em relação a algum personagem público ou fato e se elas não se cumprem, mesmo que os resultados sejam bons ou mesmo ótimos, os desclassificam desproporcionalmente.

A Folha tem sido exemplar nesse sentido. Uma de suas atuais manias é usar a torto e direito a palavra "fiasco" para qualquer coisa que saia dos planos. O termo significa fracasso retumbante, desastroso, vexatório.

Mas, nestas páginas, serve para classificar qualquer coisa que não vá muito bem. No domingo passado, a manchete do caderno de economia decretava: "Mercado projeta "fiasco" fiscal pela primeira vez". Qual era o vexame prognosticado? O superavit primário do governo federal em 2010 ficar em 2,5% do PIB em vez da meta fixada de 3,3%.

Não é preciso ir muito fundo e discutir se é bom procedimento dar como certa previsão de mercado num ambiente econômico volátil em que se erra tanto nas antecipações do futuro. Nem ressaltar que a declaração do ministro da Fazenda reafirmando que os 3,3% serão atingidos saiu na terça numa notinha mínima ao pé de uma arte em página interna.

O que é notável é que num país que colecionou déficits fiscais durante décadas um possível superavit cerca de 30% abaixo do previsto seja considerado um fiasco, mesmo com as aspas que foram colocadas nele.

Em esporte, fiasco é rotina. A palavra aparece 2.213 vezes numa busca do arquivo do jornal. A Argentina perder do Brasil no futebol, o país não conseguir medalha nos mundiais de judô e atletismo, tudo é fiasco. Na Olimpíada de Pequim, o leitor Andrei Guilherme Lopes reagiu quando leu no jornal que Jardel Gregório tinha sido um fiasco no salto triplo: "Um atleta que fica em sexto na maior competição esportiva do planeta é um fiasco?"

Se Edwin Aldrin, o pai, fosse editor da Folha a manchete do jornal de 21 de julho de 1969 poderia ter sido: "Aldrin faz fiasco na Lua".


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