Folha de S. Paulo


Muitas outras águas ainda vão rolar

O jornalismo é uma atividade que sempre viveu de contar ao público os fatos do passado recente. O grande dilema de suas versões impressas é como permanecer necessário se nada mais é novidade quando elas chegam ao leitor.

A saída mais segura e óbvia é o veículo impresso se empenhar na explicação das razões por que as coisas aconteceram e mostrar quais serão suas possíveis conseqüências.

É na interpretação que jornais e revistas em papel devem se concentrar. Mas muitos entre eles não conseguem desencarnar da sua condição de arauto das novidades.

Estes, ou tratam de buscar reportagens exclusivas, ou se limitam a repetir informações que a audiência conhece (e correm o risco de morrer).

Uma ótima alternativa quando todo mundo já sabe o que aconteceu ontem seria antever o que vai ou pelo menos pode ocorrer amanhã.

O problema é que este é um terreno em que pitonisas e astrólogos têm mais expertise e recursos para se dar bem. Ainda mais num país em que, como disse alguém, prever o passado já é quase impossível.

Ainda esta semana, vários leitores se queixaram da avaliação da Folha sobre como o STF decidiria o caso Raposa/ Serra do Sol.

"Tudo levava a crer que o resultado seria muito diferente do que ocorreu", reclamou Sérgio Alexandre Antunes de Carvalho, por exemplo.

Mas há outra possibilidade com grande potencial. É o "jornalismo preventivo", que tenta identificar as causas de crises antes, e não depois, de elas explodirem.

Há duas vertentes deste gênero. Na Europa, a ênfase é nas reportagens que tentam evitar guerras e conflitos étnicos e religiosos. Nos EUA, na análise da resposta de governos a grandes desafios e no acompanhamento da reação do Estado a eles ao longo do tempo para impedir que se repitam catástrofes decorrentes de desastres naturais, problemas de saúde pública ou quaisquer crises sociais.

Por exemplo, se a reportagem que a Folha publicou em 28 de novembro mostrando que municípios destruídos pela chuva em Santa Catarina não contavam com mapeamento das áreas de risco tivesse sido editada três meses antes ou mais, ela poderia ter ajudado a evitar algumas (ou muitas) mortes.

O jornalismo preventivo se antecipa aos fatos e, por meio da sua ação, algumas tragédias podem ser evitadas. Todo mundo sabe que chove muito no verão brasileiro e que as cidades têm diversas áreas expostas a deslizamentos e inundações.

Por que não alertar com vigor sobre o que o governo faz ou deixa de fazer para minimizar os efeitos dessas chuvas? O mesmo se aplica a questões sanitárias. E a políticas públicas de qualquer espécie.

Por que esperar que a Câmara decida limitar a meia-entrada ou ampliar o Supersimples para só então noticiar? Por que não promover o debate entre os interessados nesses temas para que eles possam influir no resultado e se preparar para o que vier?


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