Folha de S. Paulo


Saúde é mais que hedonismo egoísta

Faz pouco mais de um mês que está circulando a página diária sobre saúde que a Folha criou e foi saudada com alegria por muitos leitores. É mais do que sabido há muito tempo que o tema está entre os preferidos da audiência de qualquer veículo de comunicação.

Até por questão de sobrevivência, homens e mulheres se preocupam com sua condição física. A consolidação de um modo de pensar coletivo norteado pelo hedonismo egocêntrico, não importa o juízo de valor que se faça dele, estabeleceu a prioridade para pautas sobre saúde individual.

A página tem feito um bom trabalho do ponto de vista técnico. Chama a atenção a alta qualidade das artes. A diagramação tem sido belíssima. As fotos, excelentes e bem abertas. Os textos, bem cuidados. Tudo ótimo.

Mas desde os primeiros dias saltou aos olhos de vários leitores certa desorientação editorial. Não pareciam claros os objetivos que a nova seção pretendia atingir.

Ficou patente uma confusão entre ela, o suplemento Equilíbrio e a página diária de ciência. Muitos assuntos que ali apareceram poderiam perfeitamente ter saído numa das outras seções.

Incomodou a alguns leitores, entre eles eu mesmo, que os temas de saúde pública não estivessem sendo os centrais. Nas 34 edições que analisei de 12 de outubro a 14 de novembro, eles apareceram como reportagem principal 11 vezes.

Nos outros 23 dias, o assunto de proa não causaria estranhamento se tivesse sido editado em Equilíbrio ou na Revista: alergia a colírios, dores provocadas por exercício mal orientado, ressecamento de pele, vantagens do alongamento, emagrecimento sem cirurgia.

Nada contra. Mas não falta lugar para essas questões nem neste jornal nem em diversos outros meios de comunicação.

Em 11 edições o destaque da página foi para pesquisas e avanços científicos: novos tipos de exames menos invasivos do aparelho digestivo, novas técnicas para engravidar, bebês gerados com óvulos vitrificados, estudos que mostram que as obesas têm mais chances de contrair câncer.

De novo, nada a opor: coisas interessantes e importantes.

O problema apontado por Luiz Eduardo R. de Carvalho, entre outros leitores, é o da grande oportunidade desperdiçada pelo jornal para promover o debate sobre problemas vitais de saúde pública.

"Tenhamos pelo menos a consciência de que a Folha vai operar com medicina-show enquanto centenas de crianças morrem de dengue", alertou.

E tem razão. Quanto mais a página de saúde se dedicar a temas de saúde pública, mais ela estará beneficiando o país. Para ser justo, tem feito isso ao abordar, por exemplo: venda de remédios por internet, aumento de número de cesáreas nos últimos 22 anos, colesterol elevado em crianças.

Mas ainda é pouco. Como no caso da educação, quase todo mundo neste país acha a saúde importante. Entretanto, a maioria tem uma visão estreita e egoísta do que é saúde.

Qualidade de matéria-prima para remédios, a atuação da Anvisa, a relação entre laboratórios farmacêuticos e o Estado, a situação da Fiocruz, de Manguinhos, quebra de patentes, condições do sistema público de saúde para lidar com epidemias: os problemas são inúmeros e essenciais. E precisam de discussão coletiva que o jornal pode e deve instigar.


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