Folha de S. Paulo


E o mundo (ainda?) não se acabou

Apesar da indiscutível gravidade da situação econômica mundial -que só encontra precedente na hecatombe de 1929 e a conseqüente Grande Depressão-, a correspondência do ombudsman e do "Painel do Leitor" não reflete grande preocupação com o tema por parte do público deste jornal.

As emoções das eleições municipais e do Campeonato Brasileiro de Futebol motivam muito mais gente a se manifestar do que os percalços provocados pelos "senhores do Universo" de Wall Street.

Pode ser que os apreensivos não escrevam para redações. Talvez a ausência, até agora, de efeitos graves no cotidiano dos brasileiros esteja adiando os sobressaltos. Mas também é possível que o jornal esteja falhando na sua missão de aproximar o noticiário do cidadão comum.

Alfred Marshall, o mais influente economista da passagem do século 19 para o 20, definia sua ciência como "o estudo da humanidade nos negócios comuns da vida". O conceito aproxima a economia do jornalismo, que em princípio também cuida dos "negócios comuns da vida".

A Folha tem dedicado apreciável esforço à cobertura da crise global nestas semanas. Os fatos têm sido registrados de maneira correta e abrangente. Artigos e entrevistas de especialistas têm proporcionado ao leitor análises aprofundadas, comparações históricas relevantes e abordagens originais.

Mas acho que tem faltado tratar dos problemas a partir da perspectiva de quem não é versado em economia nem pela teoria nem pela prática de empresário ou executivo.

Pode ser que o jornalismo impresso um dia venha a ser produto consumido só pelos mais ricos e estudados. Mas por enquanto não é -e ele precisa atender bem a todos os tipos de leitores atuais.

Tem faltado dar concretude às questões, desde o significado real das cifras astronômicas que diariamente inundam as páginas até explicar como essa confusão vai afetar o dia-a-dia de cada um de nós. Sem abandonar o comentário mais sofisticado, terreno em que se está indo bem.

Isso poderia ser feito por meio de histórias de personagens que já estejam sofrendo na pele os efeitos desse "crash em câmera lenta", como definiu um jornalista inglês. Ou da antecipação mais detalhada do que nós todos aqui no Brasil poderemos passar nas próximas semanas ou meses.

Diariamente o jornal parece indicar que o mundo vai se acabar, mas ele continua mais ou menos igual no dia seguinte.

Antever como vai ser o mundo depois desta crise ou mostrar como ele ficou depois da de 1929 pode ajudar a atrair o leitor. Se o jornalista conseguir se colocar no lugar da pessoa comum -um esforço de empatia nem tão grande assim-, talvez consiga fazer isso.


Endereço da página: