Folha de S. Paulo


Quem se lembra do caso Isabella?

A cobertura do caso Eloá em Santo André pela Folha foi acanhada, acrítica e burocrática.

O jornal tem todo o direito de decidir apenas registrar casos policiais como este. Pelo meu gosto, é exatamente o que deveria fazer.

Mas, se resolve que um crime é importante, ou investe e faz a coisa direito ou sofre pelo trabalho malfeito.

Por dez dias, o episódio constou da primeira página, sete com foto. É claro que era prioritário para a Redação.

Mas até sábado, o espaço para o noticiário foi pequeno e, mesmo depois, o esforço foi inconstante: alguns dos melhores repórteres entraram e saíram; a maior parte das retrancas era de declarações públicas e fatos já noticiados pela mídia eletrônica.

Faltou espírito crítico. Registraram-se opiniões contrárias à volta da amiga da namorada ao cativeiro desde o primeiro dia, mas de modo geral em tom ameno. Faltou "vontade editorial".

As versões da polícia ganharam sempre mais destaque, a ponto de na terça-feira o perfil de um dos negociadores o retratar quase como herói. É justo mostrar o lado dos policiais e realçar seus aspectos positivos. Mas elegias numa operação que claramente fracassou são inadequadas.

O jornal foi burocrático ao acompanhar a tragédia. Limitou-se quase sempre a dar informação bruta, que o leitor provavelmente já havia recebido pelo rádio ou TV. Houve pouca análise, interpretação, informação exclusiva.

Meu antecessor Mário Vitor Santos em artigo para a revista "msg" (indicação abaixo) lembra que "o bom teatro lida com os instintos mais básicos da platéia, mas também suscita reflexões sobre a natureza profunda do ser".

Não se pode exigir que jornalistas sejam Shakespeares. Mas eles bem podem jogar luzes sobre desgraças como esta, oferecer visões psicanalíticas, sociológicas, promover o debate sobre políticas e instituições públicas envolvidas (da polícia aos conselhos tutelares, do governo à mídia).

Da mídia, por exemplo, este jornal só começou a tratar na terça-feira. E modestamente. Muitos leitores escreveram para se queixar dela.

De fato, os meios de comunicação ajudaram muito para criar esses infortúnios: ao tornarem o assassino uma celebridade, interferirem na ação das autoridades, transformarem o drama em circo e incentivarem a curiosidade mórbida do público, que impediu a família até de se despedir em paz da vítima.

Mas isso não é exclusividade nem do Brasil nem destes tempos. Talvez seja inevitável. Ocorre em todos os países. Veja-se o caso do pai que aprisionou a filha na Áustria.

E em todos os tempos. A revista "O Cruzeiro" tratou o caso Aída Curi, há 50 anos, com tons de sensacionalismo que fazem o jornalismo atual parecer sóbrio (ver indicação de livro abaixo).

Mesmo sem mídia, o prazer doentio de ver detalhes de tragédias emerge a toda hora. Quem já não testemunhou dezenas de motoristas reduzirem a velocidade para olhar o motoqueiro caído na rua?

O ser humano é assim. O que não impede que se tente melhorar.


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