Folha de S. Paulo


Jornalismo e políticas públicas

Parte do ódio de alguns críticos contra veículos de comunicação de massa deriva da convicção que têm do seu poder de manipular a opinião do público em questões vitais, como eleições.

Jornais, revistas, emissoras de rádio e TV não desfrutam desse poder, como comprovam vasta pesquisa empírica acumulada há pelo menos 60 anos e os próprios fatos da história recente.

Líderes políticos tidos como hostilizados pela imprensa, como Jânio Quadros, Luiza Erundina, Leonel Brizola e Luiz Inácio Lula da Silva elegeram-se para cargos importantes apesar da suposta campanha da mídia contra si.

Quando os que são vistos como protegidos do jornalismo, como Fernando Collor, José Serra, Geraldo Alckmin e Fernando Henrique Cardoso, vencem, então o resultado é atribuído ao poder esmagador dos grandes meios.

É evidente que, no mínimo, outras variáveis devem interferir no processo. Se não os aliados da "imprensa burguesa" sempre ganhariam.

Os que denunciam a pretensa capacidade extraordinária de influir da mídia, claro, se acham imunes a ela. Mas, em atitude que denota desprezo pelos cidadãos comuns que dizem defender, crêem que os outros não dispõem dos mesmos instrumentos e, portanto, precisam de proteção.

Desde 1948, ano de estudo clássico na cidade de Elmira, Estado de Nova York, sobre a influência de jornais sobre eleitores no pleito presidencial americano, sabe-se que em temas que compõem o núcleo de valores e convicções de uma pessoa os meios de comunicação importam muito menos do que outras instituições, como família, igreja, sindicato, escola, clube, grupo de amigos.

Mas há aspectos da vida política em que a imprensa pode mesmo exercer papel muito relevante, mais até do que o de outros atores significativos. Um deles é o da definição da agenda pública.

Há uma infinidade de temas em permanente debate numa sociedade democrática. E há momentos específicos em que decisões são tomadas com efeitos duradouros para toda a coletividade.

Dois desses assuntos foram definidos recentemente, e a opinião pública pouco se manifestou sobre eles. No dia 9 de julho, projetos de lei que descriminalizavam o aborto foram arquivados na Câmara dos Deputados. No dia 10, o Senado aprovou projeto de lei que define novos tipos de crimes praticados por meio da internet.

São duas questões que têm grande interesse para os leitores da Folha. No entanto, o jornal não os preparou para o que vinha: não publicou artigos, não promoveu debates, não deu reportagens extensivas sobre o que poderia acontecer, nem mesmo os alertou para a iminência da decisão.

O Congresso Nacional, freqüentemente execrado, não por motivos injustos, é uma instituição com grande transparência. O calendário de suas sessões é público. A agenda das comissões e do plenário, idem. Quem tiver interesse e disposição pode participar e influir.

À imprensa cabe ajudar o cidadão que quer tomar parte no processo a fazê-lo. Por que não divulgar mais a agenda do Poder Legislativo e fazer com que ela coincida com a da sociedade? Por que não aproximar os representantes e os representados?

Se o Congresso está distante da população, é melhor forçá-lo a aperfeiçoar-se do que pregar o seu fechamento ou ignorá-lo. O mesmo se aplica às Assembléias Legislativas, Câmaras Municipais, Executivos dos três níveis e as diversas instâncias do Judiciário.

O jornalismo pode contribuir muito na construção de pontes que possibilitem essa melhora, como demonstram diversos exemplos de outros países. É só querer.


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