Folha de S. Paulo


Mazelas brasileiras

Somente esta Folha e o "Jornal do Brasil" destacaram em suas capas, na quinta-feira, o relatório da Unicef sobre a situação das crianças no mundo. O tempo de leitura da notícia na capa do "JB", 40 segundos, é o mesmo para a morte de 18 crianças em todo o planeta, a "morte silenciosa" como sintetizou o jornal em sua capa. Na Folha, em segundo clichê, pequeno box para reforçar a dramaticidade da informação: só no Brasil, a quantidade de crianças mortas por dia equivale à lotação de dois Jumbos 747-400. "É como se dois desses aviões caíssem por dia, sem sobreviventes". Conforme o relatório da Unicef, morrem cerca de mil crianças por dia no Brasil nessa faixa de idade. Desnecessário maiores explicações sobre a importância dessa notícia. Outros dois influentes jornais da grande imprensa, "O Estado de S.Paulo" e "O Globo", porém, não deram muita bola aos dados divulgados pela Unicef. Registraram os terríveis números apenas em páginas internas, sem dar na primeira página com o impacto merecido. A miséria brasileira é grande, não merece retoques nem deve ficar escondida. Cabe ainda um reparo, no entanto, em relação à Folha. Ela deixou de registrar a diminuição no número de mortes de crianças no Brasil no período de 1960 a 1986. A taxa caiu de 159 mortes para cada mil nascidos, em 1960, para 85 por mil, em 1989.

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Por falar em crianças, recebi telefonema de Deodato Rivera, da Frente Nacional de Defesa do Direito da Criança. Ele sugere uma campanha civilizatória contra a palavra 'menor'. Deodato anota, com razão, que a palavra virou sinônimo de criança delinquente nos noticiários da televisão, rádio, jornal e revista. Ele vê uma carga enorme de preconceito no termo e propõe sua substituição por criança, menino, menina, jovem, qualquer palavra sem o estigma da outra. O simples fato de estar na rua esmolando ou vadiando é suficiente para uma criança ser qualificada de menor. "Nenhum pai diz que vai levar seus menores ao cinema", exemplifica Deodato. A palavra também foi abolida do Estatuto da Criança e do Adolescente (e não Estatuto do Menor como já se convencionou chamar na imprensa), acrescenta. A proposta de Dedodato merece atenção dos responsáveis pelos meios de comunicação.

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Título na primeira página do "Globo", na quarta-feira: "Pesquisa Ibope dá a Collor 75% de aprovação". Conforme a sondagem, 8% dos pesquisados consideram o governo Collor ótimo, 22% bom e 45% regular. "Para o Ibope, a resposta regular deve ser considerada positiva", explicou o jornal. Não é a primeira vez que o Ibope faz assim, em relação a pesquisa sobre Collor. E não é também a primeira vez que órgãos das organizações Globo enfiam no mesmo saco regular, bom e ótimo; traduzindo tudo como aprovação. No início de setembro, o "Jornal Nacional" somou 8% de ótimo mais 27% de bom e 44% de regular e afirmou na voz de Sérgio Chapelin: "A maioria dos brasileiros aprova o desempenho do governo". Tanto daquela vez como agora, não há dúvida, a maioria não aprova nem desaprova. Acha regular. O fato inusitado, no entanto, é outro. O "Globo" se preocupou com o seu próprio título e no dia seguinte publicou reportagem onde ouviu outros institutos de pesquisa e agências de publicidade. O assunto não foi para a primeira página, mas ficou bem registrado internamente: "DataFolha e Gallup contestam critério utilizado pelo Ibope". O jornal ouviu também o instituto Vox Populi, o mesmo que trabalhou para Collor durante a campanha. Ali consideram certa a interpretação do Ibope. O Gallup não entrou no mérito da pesquisa mas considera regular como negativo, reprovação portanto. Para o DataFolha, regular é regular, ponto. Duas agências de propaganda consultadas também acharam o regular instância à parte. "Um território cinzento, neutro ou divisor de águas", no entender do analista da Standard Ogilvy ouvido pelo "Globo". É de se louvar a disposição do jornal carioca em discutir o assunto no dia seguinte. Sobrou um detalhe: nenhum dos quatro grandes jornais divulgou quem pagou a pesquisa do Ibope.

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A propósito de minha coluna de domingo passado, sobre a saída de Paulo Francis, fui vítima de notas maldosas publicadas no "Estado". Vou me referir apenas à notinha da "Coluna 2" de quarta-feira porque me envolve equivocadamente com pessoa a quem prezo muito, Ivan Lessa, escritor e jornalista. Sob o título de "Dúvida Cruel", o "Estado" inventou que Ivan Lessa "foi convidado a ocupar precisamente o lugar de Francis". E mais, alega ter este ombudsman escrito que a Folha "preferiu não substituir Paulo Francis por um nome já conhecido pelos leitores". Termina fazendo gracinha: "das duas, uma: ou o ombudsman não sabe que Lessa é jornalista há mais de 30 anos, ou os leitores foram enganados por quem se apresenta como seu defensor". Das duas, nenhuma. O outro da nota, se fosse bom jornalista, ouviria as fontes antes de escrever bobagens. Bastava ligar para Ivan Lessa, em Londres, onde mora e trabalha, para checar a informação. Eu o fiz. Reproduzo as palavras de Lessa ao saber do conteúdo da nota publicada no "Estado": "Trata-se de uma mentira. Não foi ventilado, não fui abordado, não houve oferta, não houve proposta. Mentira, mentira, mentira. Cansei de ilusões".

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Ainda sobre o caso Francis. O "Estado" anuncia que ele vai escrever no "Caderno 2" (a Ilustrada de lá) todas as quintas e domingos. A estréia está programada para hoje. Se Francis ficar confinado ao "Caderno 2", o "Estado" seguiu os conselhos deste ombudsman. Contratou-o apenas como cronista, ficcionista da imprensa, e não como "analista" de política internacional (no primeiro caderno) ou correspondente pleno (dando "notícias" sobre a dívida externa, por exemplo, no caderno de Economia). Evidentemente não o empregaram para fazer aquilo que ele não faz: jornalismo. Como já dei tantos palpites sobre Francis me sinto no direito de dar outro. Sugiro que o deixem escrever em qualquer parte do jornal, como ele fazia na Folha, sob pena dessa censura, já no início da nova empreitada, estragar de vez com seu humor e descaracterizar completamente seu estilo. Não sou ombudsman do "Estado" mas aí vai uma sugestão. De graça. Se não a aceitarem, tudo bem. Já fiquei contente em saber que ao menos concordam com minha análise sobre o ficcionismo de Francis.

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Agora são dois os diários espanhóis no restrito círculo internacional dos jornais com ombudsman, não mais de sessenta. "El País" era o único na Espanha a ter advogado dos leitores na sua redação. Mas o grupo do "Diario 16" acaba de nomear o seu "Correspondente dos Leitores", a tradução deles para ombudsman. Foi escolhido o escritor, professor e colunista Amando de Miguel, 53 anos, sociólogo da Universidade Complutense de Madri e autor de 55 livros. Ele vai atender as queixas e sugestões de leitores de todas as publicações do Grupo 16 -que edita uma revista semanal, "Cambio 16", além de especializadas como a "Motor 16" ou "Casa 16"-e terá uma seção periódica em cada publicação. O "Diario 16" tem 14 anos e é hoje um dos principais jornais da Espanha.

HABILIDADE DE ELEFANTE
Curiosa a batalha de anúncios em função da saída de Paulo Francis. O "Estado" começou bem o seu marketing ao sugerir que todos façam como Francis e mudem-se para lá. A Folha respondeu com uma peça antológica onde anota, uma por uma, todas as suas iniciativas editoriais copiadas pelo concorrente. O troco, no entanto, foi de inabilidade ímpar. Ao dizer que só o leitor do "Estadão" sabe a "diferença entre um monte de folhas impressas e o jornal mais importante do país", o anúncio agride gratuitamente o leitor da Folha -exatamente quem, em tese, deveria ser conquistado. Em vez de tentar ganhar o leitor do concorrente, o "Estado" optou por dar-lhe um soco.


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