Folha de S. Paulo


Pesquisa versus jornalismo

Depois de a Constituição garantir liberdade de expressão e depois desta Folha conseguir, por intermédio de mandado de segurança junto ao Tribunal Superior Eleitoral, o direito de publicar pesquisa de opinião em qualquer dia, todo final de eleição reboca a mesma lenga-lenga a respeito das pesquisas. É sua "influência" na eleição, a oportunidade de sua publicação no dia do voto etc.

Trata-se da velha discussão do processualismo se opondo à da substância. Não há nada de errado na pesquisa enquanto pesquisa. Pode haver erro em outras coisas, bem mais substantivas do que a simples divulgação. Como saber exatamente de que maneira são realizadas as pesquisas, se refletem o apurado e se os órgãos de comunicação as divulgam com equilíbrio e correção.

Não cabe aqui o exame da maneira como são produzidas, mas sim a forma como são apresentadas pela imprensa. Aos partidos políticos, defendidos por lei, comete a fiscalização dos dados e impugná-los quando flagrado o erro. Aos eleitores cabe a comparação das sondagens com os resultados das urnas. O simples exame dos números leva às indicações sobre qual instituto esteve mais perto da realidade.

Veja então as manchetes dos quatro principais jornais brasileiros de domingo passado, quando destacaram tendência de voto em São Paulo:

"Fleury e Maluf estão empatados (Folha);

"Ibope dá 39% a Maluf e 37% a Fleury" ("O Estado de S.Paulo")

"Ibope: Maluf, 39%; Fleury 37%" ("O Globo)

"Ibope aponta vantagem para Maluf em São Paulo" ("Jornal do Brasil")

A Folha trabalhou com os dados de pesquisa DataFolha indicando 43% das intenções de votos para o candidato do PMDB, Luiz Antônio Fleury Filho, e 40% para o candidato do PDS, Paulo Maluf. Ressaltou empate técnico porque a margem de erro da pesquisa era de dois pontos percentuais.

O "Estado" e o "Globo" destacaram objetivamente as taxas dos candidatos sem fazer interpretações nas manchetes como fez o "JB".

Qualquer exame da edição do material requer análise dos textos das respectivas primeiras páginas. Em subtítulo e na chamada, a Folha ressaltou o empate, falou de queda de Fleury em relação à pesquisa anterior e da curva ascendente de Maluf.

Para o "Estado", "numa disputa que promete ser eletrizante", Maluf e Fleury estavam "virtualmente empatados".

"Na véspera do segundo turno da sucessão paulista Maluf suplantou Fleury na preferência do eleitorado, de acordo com pesquisa do Ibope divulgada ontem...", escreveu o "Globo". Deu em seguida os dados do Vox Populi nos quais Maluf aparecia quatro pontos percentuais na frente de Fleury. Informou também que o DataFolha apontava o inverso e acrescentou interpretação do Ibope, segundo a qual não era possível indicar vencedor.
No texto do "JB" também se falava da "vantagem" de dois pontos percentuais para Maluf e da impossibilidade do Ibope apontar o vencedor por causa da "pequena diferença" e dos 6% de indecisos.

Dislexia dos dois jornais cariocas na interpretação da pesquisa? Seguramente não. Na análise das manchetes, levando em conta que três jornais trabalharam com dados do Ibope e a Folha com os da sua própria pesquisa, apresenta-se como enunciado mais de acordo com a pesquisa exatamente o do jornal que mais se destacou, no passado recente, pela ousadia na apresentação de resultados de sondagens eleitorais. Esta Folha.
Não dava para fugir do empate técnico em todas as pesquisas. Apesar de mostrar Maluf à frente -tendência não concretizada nem na sua pesquisa de boca-de-urna-o Ibope, com diferença de dois pontos percentuais, mostrava na realidade empate entre os dois candidatos. Era de ser esperar, no mínimo, que isso merecesse destaque nos enunciados e nas chamadas de capa dos jornais que abrigaram a pesquisa. A menção ao empate foi feita com destaque apenas no texto do "Estado". "JB" e "Globo" fizeram apenas menção passageira.

Esta Folha optou por insistir no empate quando sua pesquisa apontava diferença entre os candidatos de três pontos percentuais, diferença ainda maior em relação à pesquisa do Ibope. Em crítica interna considerei correto o enunciado do domingo, mas o questionei do ponto de vista da personalidade do jornal. Considerei possível enunciado mais de acordo com os próprios números da pesquisa e em maior sintonia com o arrojo editorial característico da Folha. Não foi este jornal que cravou -baseado em pequena diferença percentual, no limite da margem de erro-a passagem de Lula para o segundo turno da eleição presidencial? Em virtude desse passado, a manchete dominical me pareceu algo retraída, talvez influenciada pelo "ibopismo" reinante. Somou-se o fato dos outros jornais terem sido mais arrojados com diferenças percentuais menores nas mãos.

Mas nada como a realidade para colocar as coisas no devido lugar, inclusive os arroubos do crítico de jornal. Vieram as eleições, as pesquisas de boca-de-urna e os resultados finais. A rigor, quem passou a maior vergonha entre os quatros grandes foi o "Jornal do Brasil". Não tanto como quando manchetou, um dia depois do primeiro turno das eleições presidenciais, baseado em projeção equivocada, que "votos do Rio e do Sul salvam Brizola de Lula". Dessa vez o "JB" largou a conta na mão do Ibope. O mesmo foi feito pelo "Globo" e "Estado", de maneira menos ostensiva, evitando o uso da expressão "vantagem". Contudo, os três foram na onda da diferença do Ibope e, visto o resultado final, acabaram se estrepando tanto no prognóstico quanto no uso em manchete de resultado cuja interpretação técnica levava ao empate.

O discutível por tudo isso é exatamente o tratamento dado às pesquisas pelos órgãos de comunicação. Eles ressaltam muito pouco o caráter fotográfico e momentâneo da pesquisa, retrato de um momento específico. À parte esta Folha, o conceito de "margem de erro" não é veiculado com a redundância necessária nem pelos jornais e nem pela televisão. Esse mesmo descompromisso com o rigor da informação sobre pesquisa eleitoral acabou levando três grandes jornais a uma espécie de desinformação, facilmente evitável, nas manchetes de domingo passado. Podem argumentar, é correto, que noticiaram resultados da pesquisa Ibope e não tem culpa se a pesquisa errou. Do ponto de vista técnico, a pesquisa não errou mesmo. O resultado ficou dentro da margem de erro. O Ibope pode argumentar com razão, que a responsabilidade da interpretação da pesquisa pertence aos órgãos de comunicação. O fato inconteste é que tanto jornais, quanto rádios e televisões, de maneira geral, precisam rever seus critérios para apresentação das pesquisas.

É só para lembrar resultados e fazer aqui pequena homenagem ao DataFolha, compare os números de suas duas últimas pesquisas com os do Ibope e o resultado final em São Paulo. No domingo, o DataFolha apontou 43% para Fleury e 40% para Maluf; o Ibope, 39% para Maluf e 37% para Fleury. Na boca-de-urna, o DataFolha deu 43% para Fleury, 42% para Maluf; o Ibope 41% e 40% respectivamente. O resultado da apuração total em São Paulo apontou 43,81% dos votos para Fleury e 40,82% para Maluf. E tire, você leitor, as conclusões.


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