Folha de S. Paulo


A Folha versus a imprensa mundial

Critiquei semana passada, duas edições da Folha onde se noticiou o "adiamento" da unificação europeia e o "eclipse" da "euforia da Europa-92". Conforme informações sobre reunião de cúpula em Roma não se adiou, mas se avançou na unificação europeia. E se alguém ficou eclipsada não foi a euforia mas sim a primeira-ministra britânica, Margareth Thatcher, ferrenha opositora da Europa unificada.

Em síntese, mostrei a confusão do jornal ao colocar no mesmo balaio o início da unificação -ela começa na zero hora de primeiro de janeiro de 1993-e as etapas posteriores desse processo. O objetivo final é a criação dos Estados Unidos da Europa com banco central, moeda única e até presidente.

Em texto publicado na quarta-feira o editor de Exterior, jornalista José Arbex, defendeu a interpretação dos fatos e manteve a tese absurda do adiamento. Considerou "esquemática" argumentação do ombudsman este ser "incapaz de ver contradições" e "preso ao passado". Acusou a crítica de "não inteligente", "esforço vão de criar polêmica".

Arbex realmente está convencido do acerto. Insiste na tese segundo a qual os ministros da economia dos países da comunidade europeia haviam marcado a data do início da segunda fase (chamada erroneamente pela Folha de "unificação da Europa" em texto de manchete no dia 29/10/90) para a mesma data da primeira fase, primeiro de janeiro de 1993. Por isso, ao decidirem fixar o início da segunda fase para janeiro de 1994, os chefes de Estado e de governo teriam "adiado" a unificação.

O editor insiste no erro. Continua dando mais valor à reunião de ministros quando ali nem havia consenso. Mais grave, qualquer pessoa de bom senso sabe que decisões de chefes de Estado e/ou de governo valem mais do que de ministros. E mais: o foro de decisões em relação ao futuro da Europa é a cúpula dos líderes. E os líderes não haviam chegado até então à data sobre a tal segunda fase. Margareth Thatcher bloqueava tudo. O editor aproveita para enfiar "dialética" na argumentação: a queda do muro de Berlim e a proposta da Casa Comum Europeia de Mikhail Gorbatchev.

Se a ordem é ser "dialético, ora, a proposta de Casa Comum só ajuda no avanço da unificação. E a queda do muro de Berlim idem. Recomendo a leitura do texto publicado na revista "The Economist". Ali se fala da "histórica decisão" de Roma e se explica porque o primeiro-ministro italiano Giulio Andreotti avançou na fixação da data. O chanceler alemão Helmut Kohl lhe dissera estar pronto, naquele momento, para fixar a data. Não podia garantir o mesmo para dezembro. Andreotti não teve dúvida e arrancou a data de todos menos Thatcher.

Mas o "esquematismo" incorrigível realmente me impede de incursionar pela "dialética" da discussão porque o interesse imediato é o de registrar e corrigir os tremendos erros (factuais e de interpretação) cometidos, agora, em três edições da Folha.

Para evitar bate-boca estéril e turrão reproduzo aqui e agora (veja o quadro) alguns dos títulos da imprensa europeia e americana a respeito do mesmíssimo evento. Todos trabalharam com enviados especiais ou correspondentes em Roma. A Folha interpretou em cima de material d segunda mão, das agências internacionais. Notável, nenhum deles fala em "adiamento". Falam sim em unificação "mais total", "irreversível", que a moeda comum ficou "mais perto", o barco Europa "finalmente anda", "balizou-se" o caminho...

Inexiste polêmica nessa história. Simplesmente apresento fatos. Importa redundar: nenhum jornal sério da Europa ou dos EUA, incluindo os especializados em economia, viu nas decisões de Roma adiamento da unificação. Ninguém viu porque não aconteceu. Se a Folha estivesse certa então os mais importantes veículos de comunicação da Europa e dos EUA estariam completamente errados. Seria um "furo" mundial o deste jornal, teria de ser analisado e comentado em todo planeta.

Enfim, repete-se a piada do soldado marchando no passo errado quando ouve-se, entre o público, o comentário da mãe: "Que beleza! Só meu filho no passo certo!". E não me venha o Arbex dizer que comparei de novo "alta política" com assunto de família!


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