Folha de S. Paulo


Sobre estatísticas, previsões e edições

Há quatro anos esta Folha desenvolveu a cobertura estatística da Copa do Mundo e foi ridicularizada por todos os cantos. "Futebol não é gráfico", era um dos comentários mais bondosos. Vê-se agora, nesta Copa, não somente a imprensa como as redes de televisão se esmerarem na contagem dos números de uma partida e no acompanhamento estatístico dos jogos. O jornalismo brasileiro descobriu um bom aliado para embasar textos analíticos, um ajudante para comentários e conclusões: os números. Eles podem dizer muita coisa ou quase nada (uma única jogada de Maradona arrasou com as pretensões do time brasileiro) mas se tornaram indispensáveis. Justiça seja feita, isso é mérito desta Folha.

- Se a Folha criou e fez crescer a estatística no futebol, em compensação, afundou-se numa obviedade irritante nas legendas das fotografias. Nada tão chato quanto ver foto de um jogador feliz com os braços levantados e conferir abaixo que o fulano "ergue os braços", "!comemora", "festeja" ou "vibra" com o gol. O leitor, o time, quem fez o gol, qual foi a jogada etc. mas sem dúvida este vendo-o erguer os braços, vibrar, abraçar, pular, ou ajoelhar.

Durante a Copa do Mundo fiz observações a respeito dessas legendas na crítica interna e diária da Folha. O "Manual Geral da Redação" é bastante claro na sua página 85 quando pede em fotos de ação, como nas competições esportivas, uma legenda explicando ao leitor o ocorrido antes do momento da foto e o que veio a acontecer depois. Qual não foi minha surpresa ao reparar no desembarque da "cultura" da legenda óbvia na primeira página.

Confira na capa de sexta-feira. Lá se escreve que a tenista americana Zina Garrison "ergue os braços" depois de derrotar em Wimbledon a alemã Steffi Graf. Só cegos não podem ver os braços erguidos.

- Leia agora o primeiro parágrafo de texto publicado na terceira página do Caderno de Esportes de "O Globo", na terça-feira, no mesmo dia em que a Argentina, logo mais, e a igualmente tranquila vitória da Alemanha sobre a Inglaterra, amanhã, estamos a um passo de terminar essa sem-graçosa Copa do Mundo." O título do artigo é "A caminho da tumba" e o autor Evandro Carlos de Andrade, diretor de Redação de "O Globo".

- O articulista em nada inovou fazendo profecias arrojadas. Uma das máximas da imprensa marrom americana (que lá é amarela) recomenda aos articulistas bastante ousadia nas previsões: "Arrisque uma previsão sensacional. Se der certo, você está consagrado. Se der errado, todos esquecem logo. "E mais: além de os jornais perecerem muito rapidamente, sempre existe o outro dia par consertar erros. Entretanto, quando se "ousa" na previsão, deve-se levar em conta, ao menos, as probalidades de acerto. Numa eleição entre dois candidatos, por exemplo, a chance é de 50% (há quem preveja a vitória do dois candidatos, em textos separados por algum espaço de tempo e então "trabalhe" com 100% de acerto).O comentarista de "O Globo" esqueceu-se certamente que tinha apenas 25% de probalidade de acerto porque eram quatro os times em questão. De sobra, chutou errado também nas "vitórias tranquilas". E o futebol, como pondera qualquer torcedor de bom senso, mostrou-se o imprevisível de sempre.

- Jornais da grande imprensa saudaram com entusiasmo a entrevista a eles concedida pelo presidente Fernando Collor. Ele reuniu terça-feira, no Planalto, diretores e editores de seis diários: "Correio Braziliense", "Gazeta Mercantil". "Jornal do Brasil". "O Estado de S.Paulo", "O Globo" e esta Folha. Conforme se disse, foram duas horas de uma conversa inicialmente tensa e posteriormente mais descontrária. Pode-se dizer que foi realmente uma boa conversa. Collor não foi contestado em praticamente nada, nem quando disse que fez uma das maiores reformas econômica do mundo "sem nenhum tipo de instrumento discricionário à disposição". Evidentemente, a maioria dos juristas sequer discute se a medida provisória é discricionária, porque é um instrumento inserido na Constituição. Mas o seu uso no governo Collor, não há dúvida, tem sido discriminário. Basta ver que foram editadas quase cinquenta em pouco mais de cem dias de governo, na média de uma MP a cada dois dias. Os resumos e análises da entrevista também deixaram de salientar infirmações importantes - como a de que as seguradoras aplicavam mais no "overnight" antes do Plano Collor do que as fundações previdenciárias estatais (estas giravam diariamente no over, conforme Collor, o equivalente a US$ 50 bilhões) ou, entre outras, que o Banco Central "tem que ser autônomo".

- Outra curiosidade nas apresentações da entrevista de Collor foi a escolha dos títulos. "O Globo", "O Estado" e o "Jornal do Brasil" ressaltaram que o presidente descarta a possibilidade de um Plano Collor 2. Esta Folha manchetou a promessa de bloquear a indexação salarial. O "Correio Braziliense" sugeriu que o presidente prepara o país para o parlamentarismo. A "Gazeta Mercantil" ficou num inócuo "tudo depende do estilo". Chama atenção o fato de três dos principais jornais (que coincidentemente evitam críticas ao governo) terem destacado o descarte do "Plano 2". Ficaram num tema mais abrangente, numa promessa presidencial, enquanto a Folha escolheu algo mais imediato, o veto de Collor à proposta de aumento salarial que acompanhe a inflação. Nada contra as escolhas. Cada um edita o material como melhor entende. No entanto, caso venha um "Plano 2", Collor vai acabar preso na mesma armadilha das cadernetas de poupança. Sustenta que era Lula quem ia mexer com elas e deu no deu...

  • Última observação sobre as edições da entrevista. "O Globo" e a "Gazeta Mercantil" esforçaram-se em mostrar aos seus leitores qual jornalista fez cada pergunta. Mas os leitores desta Folha não sabem, por exemplo, quais perguntas eram do seu jornal. Como o presidente promete outra rodada nos próximos 60 dias, é uma falha a corrigir.
  • Ainda sobre os sequestros - ou melhor, a onda de sequestros que assola o Rio de Janeiro - e a maneira como os jornais estão tratando do assunto. A situação de excepcionalidade enfrentada no Rio acabou de vez com os tabus na imprensa. Sábado passado, o "Jornal do Brasil" noticiou o sequestro de um empresário de um empresário carioca, ocorrido na quinta. Na terça-feira, foi a vez da Rede Globo rever sua decisão de não noticiar sequestros em andamento e contar, no "Jornal Nacional", que mais dois sequestros estavam em andamento no Rio. "O Globo" acompanhou a decisão e escancarou tudo. Na quarta-feira, como aparecimento de um terceiro sequestro, o vigésimo-nono apenas este ano, foi a vez do SBT desbloquear a informação (explicando que não iria dar detalhes mas noticiaria as ocorrências). Na quinta, "O Estado de S.Paulo" abriu página para noticiar os sequestros em andamento no Rio e explicou a revisão de política editorial em editorial. O único dos grandes jornais a manter sua posição anterior - atender o pedido das famílias; só desbloquear o noticiário quando o caso for resolvido - é esta Folha. Com essa atitude, acredito, o jornal acaba punindo seu leitor. Quem vê televisão e lê outros jornais sabe o que está correndo no Rio - cidade aparentemente sob o domínio da bandidagem - e o leitor da Folha nada sabe. Essa me parece uma situação esdrúxula. Em virtude da excepcionalidade da situação carioca todo mundo dá a noticia e a Folha não. Os leitores estão convidados a discutir o assunto com o ombudsman - por telefone ou carta.

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