Folha de S. Paulo


A imprensa sequestrada

O noticiário sobre sequestros volta à baila com mais um caso de repercussão nacional, o do empresário Roberto Medina. Assunto semelhante já foi tratado numa de minhas primeira colunas e a dúvida permanece: a imprensa deve noticiar sequestros enquanto eles estão em andamento?

Existe um acordo informal entre a imprensa brasileira, a polícia e os familiares de uma pessoa sequestrada. Os meio de comunicação acompanham o desenrolar das negociações e investigações mas só publicam as notícias quando o sequestrador acaba.

Aos poucos, esse "pacto" tem sido dinamitado. No ano passado o "Jornal de Brasília" revelou em suas páginas o que muitos brasileiros sabiam de boca em boca: o sequestro do publicitário Luiz Sales. Há duas semanas a revista de maior circulação do país, "Veja", noticiou o sequestro de Roberto Medina depois que as rádios cariocas Tupi e Globo e jornais como "O Fluminense". "O Povo" e o "Correio Braziliense" o noticiaram.

"Veja" explica esta semana que não rompeu acordo nenhum porque ninguém da família Medina a procurou par pedir o embargo do noticiários, em segundo lugar, que não quebrou sigilo algum porque outros órgãos de comunicação haviam noticiado o sequestro.

O "Jornal da Tarde", de São Paulo, discutiu o problema em reportagem na segunda-feira passada. Alguns editores de jornais, como o de "O Globo", reafirmaram seus compromissos em relação à tradição. Outro, como o diretor de Redação de "O Estado de S.Paulo", esclareceu que estava repensando o tipo de "cobertura" e "espaço" que daria aos casos de sequestros - sem deixar de frisar que a vida do sequestrado é "uma preocupação humanitária".

Na sexta-feira, no entanto, o "Jornal do Brasil" publicou um corajoso texto na sua primeira página onde arrosta a tradição. "Ao devassar a extensão da rede que se envolveu nele, o sequestro de Medina serviu para mostrar que o Rio de Janeiro é refém do crime organizado e assim o Jornal do Brasil não está convencido de que o silêncio se justifique por questões humanitárias", afirmava o "JB". Prometeu como política futura a divulgação dessas notícias.

Marcos Sá Corrêa, editor do "JB", me disse que, em da proteção de um refém, o jornal pode acabar comprometendo a segurança de muitos outros cidadãos quando o crime organizado chega ao ponto que chegou no Rio. Ele acha, contudo, que pode haver exceções.

Toda esta movimentação reacende a discussão sobre a importância de uma noticia quando uma vida está em jogo. Não se deve noticiar nada enquanto a operação está em curso. Este é o argumento da Polícia. O "Manual Geral da Redação" da Folha, por exemplo, prevê o embargo da notícia quando ela coloca em risco a segurança de indivíduos ou de empresas.

Mas o que aconteceu a mais nesse último sequestro? Os meios de comunicação acabaram sendo pautados, pelos sequestradores. Estes últimos exigiram que a mulher de Medina viesse a público para solicitar o afastamento da Polícia do caso. Ela o fez. Queiram ver isso nos jornais e na televisão. Viram Ordenaram em seguida que a imprensa silenciasse sobre o caso e foram obedecidos.

Quais os limites para acatar este tipo de exigência? Não se sabe e os jornais nunca discutiram isso. Se pedirem para uma emissora sair do ar porque ela estaria atrapalhando o sequestro a emissora acataria? O leitor, o ouvinte, o telespectador, esta pessoa singular que é a razão de ser dos órgãos de comunicação, passou a ter outro colaborador na definição do produto que consome: o bandido. Perdeu seu direito de ter acesso às informações que seu jornal, rádio ou televisão tem. Parto do pressuposto de que os veículos devem divulgar tudo o que sabem e possam comprovar. Consumiu-se então um produto que também teve suas informações sequestradas.

Acrescente-se ainda um componente de hipocrisia em toda esta história. O silêncio dos órgãos de imprensa pode ser proporcional ao status e às relações privilegiadas do sequestrado em questão. Quanto mais importante essa relação, maior o bloqueio na imprensa e maior a chiadeira em caso de furo neste silêncio (vide o caso da gritaria "ética" contra a "Veja").

Em países do primeiro mundo, como na Inglaterra, existe desde 1988 um "gentlements agreement" entre imprensa e Polícia nos casos de sequestros onde a vida humana corre risco. Nos últimos dois anos houve cinco casos de sequestros de homens de negócios e o acordo não foi rompido. Mas, lá, cada caso é um caso e a polícia não tem como impedir que um jornal publique tudo se a sua direção assim o decidir. O próprio acordo de cavalheiros preserva a liberdade de expressão ao sustentar que a Polícia não tem poderes para forçar um blecaute das informações.

Na França, um dos países mais ciosos da privacidade de empresários e homens públicos, inexiste acordo deste tipo. Vale lembrar os sequestros como os daqui são incomuns, o que reforça, na imprensa francesa, a estratégia do cada caso é um caso. Idem nos EUA onde não existe regra alguma. No diário "The New York Times" cada fato é avaliado isoladamente com base em informações colhidas junto à Polícia e a família.

Na Itália, onde a lei protege às famílias com um bloqueio das contas bancárias, a imprensa noticia a ocorrência do sequestro e aguarda o seu desenrolar. O leitor, no caso, não sai tungado como no Brasil quando só pode saber de tudo depois que a coisa acabou - bem ou mal.

Logo depois do sequestro de Luiz Sales fiz uma pequena pesquisa entre os leitores da Folha e a maioria dos que telefonaram ou escreveram era a favor do silêncio. Registrei essas opiniões mas a cada sequestro que acontece (e só no Rio, este ano, foram 26) me pergunto se a estratégia do blecaute é correta.

Por que a divulgação e o acompanhamento do caso - com um noticiário evidentemente correto, ponderado e despido do sensacionalismo barato - não poderia ajudar na resolução do sequestro? Por que, necessariamente, ela só atrapalha? Não vi até agora argumentos irrefutáveis a este propósito.

De certa forma, com a atitude da "Veja" e do "Jornal do Brasil", este último assumindo que não fará mais o jogo do bloqueio, a discussão avançou e a idéia de que cada caso é um caso se afirma com mais vigor. A discussão passa de falsamente ética para o seu lado mais técnico as formas de sua publicação. Mas a dúvida persiste - e ela tem sentido quando uma vida está em jogo.

O desafio da imprensa brasileira, neste momento, é o preservar o direito à informação sem colocar em risco a vida de qualquer pessoa.

  • Colaboraram - Antonio Carlos Seide (Londres). Berbardo Carvalho (Paris) e Marcelo Calliari (Nova York).

RETRANCA

- Ainda a respeito de sequestro de Roberto Medina: a edição da Folha de sexta-feira deixou muito a desejar. Os jornais cariocas vieram com mais espaço para o caso e riqueza de detalhes. No domingo passado a Folha havia dedicado seis página para o sequestro. Não deu para entender então qual a lógica do jornal que dá espaço de sobra quando o caso estava em andamento (e o noticiou a pedido da mulher de Medina) e reduz drasticamente este espaço quando o ele chega ao fim.

- O jornal carioca "O Globo" cometeu um equívoco infeliz na primeira página de segunda-feira, numa destacada. Nota da Redação. Pior, não o corrigiu posteriormente - aliás, não é política de "O Globo" a correção sistemática das informações erradas que publica. O diário simplesmente "sequestrou" na sua capa o irmão de Roberto Medina. A Nota da Redação "informava" que o jornal deixava de noticiar o desdobramento do sequestro de Rubem Medina, a pedido da família.

- É de se notar, também, que "O Estado de S.Paulo" foi o jornal da grande imprensa que menos espaço deu para o sequestro quando ele acabou: uma única página.

- Recebi uma carta de uma leitora de Recife (PE). Norberta de Melo e Silva. Ela lembra que numa palestra na sua cidade eu me comprometera publicamente a atender todas as solicitações feitas pelos leitores da Folha. Eu disse, na realidade, que nenhuma solicitação ficaria sem resposta. É isto que Norberta me cobra, resposta à cara que ela enviou ao ombudsman no mês de abril.

- Ela tem razão e já lhe escrevi esclarecendo o que aconteceu. Na primeira carta ela perguntava por que a seção de Esportes da Folha não dá atenção ao futebol de salão. Como faço com perguntas deste tipo, que envolvem política editorial, enviei a questão para a direção do jornal solicitando explicação junto à editoria específica.

- Expliquei então par Norberta que até hoje eu também estou esperando uma resposta da editoria de Esportes que não veio, ainda. Trago a público o caso da leitora de Recife porque algumas consultas aguardam resposta da Redação e, em alguns casos, elas têm sido demoradas. Muitos casos dependem de investigação junto às Sucursais ou colaboradores e este processo pode atrasar um pouco a retorno.


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