Folha de S. Paulo


O descaso dos jornais com a greve na Justiça

Os jornais europeus são, tradicionalmente, veículos de discussão política. Na América eles seriam veículos para propaganda e ao mesmo tempo, instrumentos do cotidiano de seus leitores. O dono dessa definição é um americano, professor de comunicação e ciência política na Universidade da Califórnia, Daniel Hallin.

Em muitos países, afirma o pesquisador a imprensa é uma instituição nacional, o que não ocorreria nos EUA. Caso contrário, os EUA teriam mais do que os quatro jornais de repercussão nacional: "The New York Times", "Christian Scicence Monitor". "USA Today" e "Wall Street Journal", este último o maior em circulação, com 1,9 milhão de exemplares por dia.

Partindo da premissa de Hallin (embora discutível), o que sobra par a imprensa brasileira? Na forma, ela segue a imprensa americana. No conteúdo, muitas vezes aproxima-se da imprensa européia onde o ego do jornalista-opinador é sempre mais importante do que os fatos.

Mesmo concordando que uma imprensa mais útil fosse aquela que aliasse seu potencial de objeto indispensável ao cotidiano dos leitores com o de eficaz instrumento opinativo, pode-se dizer que em alguns episódios recentes os jornais caboclos, da dita grande imprensa, pouco fizeram nos dois sentidos.

Não vou tocar agora no acompanhamento que fazem do Plano Collor. Nem de episódios ridículos como noticiar com destaque que o presidente foi ao supermercado comprar produtos básicos e saiu "satisfeito" porque "os preços estão estáveis" (conforme "O Globo"). Com a cesta básica congelada e tabelada não há estabilidade de preços que se desestabilize... Vou falar é da greve dos servidores da Justiça paulista - uma categoria que engloba 37 mil funcionários, parados há 20 dias.

Até ontem este assunto não havia merecido manchete, nem submanchete, de nenhum dos grandes jornais paulistas que se dizem nacionais, esta Folha e "O Estado de S.Paulo". Como se uma greve de servidores que cessasse completamente as atividades da Justiça, e cujos efeitos se fazem sentir no cotidiano de milhares de pessoas, não tivesse importância.

Quem deve estar mais satisfeito com a baixa performance dessa imprensa, sem dúvida, são os deputados estaduais, que enrolam no exame do projeto de lei que revê os salários na Justiça. O Legislativo está sendo estranhamente poupado pelos jornais quando disputa, por exemplo, com a prefeita petista Luiza Erundina uma greve que paralisa a Justiça (e, portanto impede a prisão de criminosos, facilita a liberação de detentos perigosos, suspende os habeas-corpus congela todos os processo em andamento). Erundina enfrentou a greve que parou os ônibus em São Paulo e mereceu - corretamente - toda a atenção da imprensa.

Não que os jornais tenham deixado de noticiar a greve ma Justiça. Esta Folha fez uma menção na sua primeira página do dia 10 de maio para o assunto, quando a paralisação entrava em seu terceiro dia. Anteontem, quando a greve se transformou em "total", a notícia mereceu três linhas encaixadas num texto de capa. O jornal também tem feito quadro interno informando o tempo de greve ."O Estado" de ontem trouxe até editorial, "São Paulo sem Justiça". Mas destaque na primeira página para desnudar a vontade editorial de priorizar a notícia, mostrar sintonia com fatos que mexem e muitas vezes transformam o cotidiano dos cidadãos, isto nada.

Justiça seja feita, o único jornal que abriu manchete garrafal para o caso foi o sensacionalista "Noticias Populares", jornal paulistano que passa por um processo de transformação, cujo objetivo se revela o de "importantizar" o sensacionalismo na imprensa (para usar um neologismo collorido). "Greve da Justiça libera bandidos", esbraveja o "NP" na sexta-feira.

Advogados sérios declaram "off the record" que o trabalho na burocracia judiciária seria muito mais rápido e bem feito se esses 37 mil servidores fossem reduzidos para sete mil e os salários economizados com a dispensa fossem revertidos em benefício dos que restarem. Uma máquina enxuta e bem paga funcionária melhor. Ninguém trabalha contente ganhando miséria. Responsável pela tramitação de toda a papelada num fórum não ganham hoje mais do que 12 mil cruzeiros mensais, coisa aberrante. Esta é uma das discussões possíveis no aprofundamento dessa crise. Nada foi dito, escarafunchado. Os jornais se limitam a noticiar com pouco caso a greve e, quando muito a detectar o quão morosa é a Justiça - como se ninguém soubesse.

E essa notícia continua assunto para as páginas internas. Instituições policiais (opinativas) e instrumentos indispensáveis para o dia-a-dia do seu leitor (produtos de primeira necessidade), nenhuma dessas funções maiores os jornais estão tendo no caso da greve na Justiça.

RETRANCA

Foi distribuído no encontro anual dos Ombudsmans de imprensa, realizado de 13 a 16 de maio em Williamsburg, nos EUA, um documento adotado pela ONO (Organozation of News Ombudsmen) em maio de 1982, em Washington, dois anos depois de fundada. É a "cartilha" dos Ombudsmans e o título em inglês é "Guidelines for Ombudsmans", ou "Diretrizes para os Ombudsmans". O que se segue é a sua íntegra.

  • Os objetivos de um ombudsman de jornal devem ser:

1. Aperfeiçoar a equidade, exatidão e responsabilidade do jornal;
2. Aumentar sua credibilidade;
3. Empenhar-se para melhorar sua qualidade;
4. Tornar o jornal consciente das preocupações e problemas das comunidades por ele servidas.

  • Os deveres do ombudsman devem incluir:

1. Funcionar como crítico interno;
2. Representar o leitor que tem reclamações, sugestões, questões ou cumprimentos;
3. Investigar todas as queixas e recomendar ação corretiva quando for o caso;
4. Alertar o diretor de Redação sobre todas as queixas;
5. Fazer conferências ou escrever para o público sobre as linhas, as posições e as atividades do jornal;
6. Defender o jornal, publicamente ou em particular, quando for o caso.

  • Alguns dos meios de que o ombudsman dispõe par chegar a seus objetivos e cumprir suas tarefas incluem:

1. Uma coluna;
2. Memorandos internos;
3. Reuniões com as equipes;
4. Questionários;
5. Conferências.

  • O ombudsman deve ser independente e esta independência deve ser real.

Ele deve responder apenas à pessoa com a mais alta autoridade na Redação.

  • Errata : Um número foi publicado erroneamente na segunda nota desta "Retranca" na semana passada. Os Estados Unidos totalizam até agora 33 (trinta e três) ombudsman de imprensa e não 31 como saiu grafado.

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