Folha de S. Paulo


Uma associação de homens ingênuos

Paul Klee se dizia irritado com a inocência. Os Ombudsmans não são inocentes porque são mais velhos. A inocência, em tese, pertence às crianças. Mas se eles perderam a inocência, não perderam a ingenuidade. "Por que você aceitou este cargo?", perguntei ao ombudsman do jornal espanhol "El País", "Porque sou um ingênuo", respondeu-me ele. Estávamos ambos almoçando numa das mesas do hotel Cascades, em Williamsburg, uma amena cidade da Virgínia (EUA), ex-colônia inglesa, a mesma cidade que hospedou os Ombudsmans nesta semana, durante seu encontro anual.

Eles não eram mais quarenta ali reunidos. Vinham dos EUA, Canadá, Grã-Bretanha, Israel, Suécia, Japão, Espanha e Brasil. Têm por tarefa ouvir pessoas e criticar seus jornais. São os advogados, dessa figura abstrata chamada leitor, cujos desejos em geral são contraditórios e múltiplos. Um trabalho desses, que exige uma atenção e uma capacidade de ouvir acima da normal, requer homens ingênuos, que ainda acreditem em alguma bondade humana ou na capacidade humana de corrigir erros, seus próprios erros. É por essas e outras que muitos recusam esse cargo - já ultrapassaram sua cota de ingenuidade em relação à vida. Outros, no entanto, descobrem essa realidade depois, quando já é tarde.

A maioria deles tem mais de 45 anos, poucos reconhecem que têm mais de 65. Mas todos se sentem abusados, incompreendidos, isolados e vulneráveis. "Quando vocês ouvem pela quinta vez a mesma queixa contra um erro do jornal, é óbvio que devem se sentir abusados", sentenciou o psiquiatra Robert.T.Young à refinada platéia de Ombudsmans. "E com esse nome, acrescentou ele, quem não se sente incompreendido?"

"Ombudsman? Como se diz/" a pergunta é comum, tanto no Brasil quanto nos EUA. Até na Suécia, conforme reconhece Bengt Erlandsson, o mais original dos Ombudsmans, do "Svenska Dagbladet", Estocolmo. O dr. Yong recomendou então a troca do nome da ONO, a Organization of News Ombudsmen, organização dos Ombudsmans de imprensa. "Parece 'oh no' (ó não), e isso não é um bom marketing", disse. Sugeriu que a ONO adotasse novo nome, algo na linha de um "oh, yes" (ó, sim). Ninguém riu.

Os Ombudsmans reunidos em Williamsburg não riram também quando o dr. Young lhes disse que tinham razão no sentimento de isolamento. Afinal, existe apenas um ombudsman para cada jornal. São 33 nos EUA, para mais de 1.600 jornais... E vulneráveis, também, por que não? "Se alguém de vocês não se sente assim, é porque não está trabalhando", lascou ele. Foi uma sessão "down", acachapante para os homens ingênuos ali reunidos, cada um revelando um pouco dos problemas do dia-a-dia. Eram queixas contra leitores, jornalistas, lamúrias sobre a batalha perdida que é a construção de um jornal diária - sempre sobram erros, equívocos, informações distorcidas. Não há produto perfeito nesse negócio.

Mas nem só de sessões de psicodrama viveram os Ombudsmans em Williamsburg. Eles puderam ver também que as vítimas da imprensa americana se armam contra ela. Mary Ann D.Joseph, 33, foi ali reclamar que seu nome foi publicado com todas as letras pelos jornais locais, quando um homem tentou assaltá-la num estacionamento de supermercado e ela respondeu a buzina de seu carro até o cara fugir. Eles ouviram também um depoimento da jornalista Karen Jurdentesn, 41, uma das editoras seniores do "USA Today". Violentas, ela permaneceu 15 anos como uma das vítimas anônimas, daquelas que não tinham problema em contar o drama para os amigos, mas não podia ver seu nome no jornal. Preferiu ela mesma escrever sobre a coisa, agora.

Pois tanto Karen quanto May Ann podem ficar tranquilas, porque já existe o Centro Nacional da Vitimas, com sede em Foth Worth, no Texasm que até ensina como se portar em relação à imprensa. Se os criminosos ainda têm seu nome reproduzido na mídia (mesmo com a reserva de que são "supostos" criminosos, antes do julgamento), as vítimas americanas têm mais direitos do que qualquer empresário ou político brasileiro. Podem se recusar até a dar entrevista porque não foram com a cara do ou da repórter.

Participar de um debate sobre direitos de vítimas ou problemas de minorias (particularmente os negros, EUA) dá a impressão de que a imprensa se civiliza e os leitores podem ficar tranquilos, porque os jornais a cada dia vão ficar melhores em relação à acuidade, ao respeito ao ser humano e à exatidão da informação. Mesmo quando uma delegação de negros, comandada por um ombudsman negro (Charles Bond, do "The Palm Beach Post", da Flórida ), sustenta que o problema do negro é mais importante do que o das repúblicas bálticas e elas ganham muito mais espaço na imprensa americana.

Como se vê, mesmo que se passe a impressão de que os jornais se civilizam, os problemas permanecem. O ombudsman do jornal das Forças Armadas americanas, o "Stars and Stripes", ele mesmo uma espécie de ombudsman do Pentágono, o jornalista Philip Foisie, ex-diretor-chefe do "The International Herald Tribune" (um dos jornais mais bem feitos em todo o mundo), tentou discutir o problema do negro. Foi admoestado com um "quem é o senhor?" proclamando por Beverly Shepard, aluna do "The Ganett Center for Media Studies", que participava da mesa sobre minorias, ela mesma uma negra imbuída da convicção de que a imprensa americana faz vistas para o racismo latente.

Com ou sem racismo, na pauta dos Ombudsmans estava a glória e o declínio da imprensa dita escrita, as perspectivas para o próximo milênio, as conquistas da multimídia, a lei de imprensa e suas reformas necessárias (também nos EUA) e os famosos conflitos de interesse (o ombudsman do "Yomiuri Shimbun", Takeshi Maezawa, por exemplo , teve que escrever sobre o seu patrão, denunciado pelos concorrentes por ter-se aproveitado de uma informação privilegiada e ganho dinheiro na Bolsa). Foram quatro dias de conversa séria sobre problemas éticos e o futuro da mídia. Em outras palavras, uma discussão sobre as tradições da imprensa e a realidades do mundo real. Um casamento possível, conforme assegura William Winter, do American Press Institute.

RETRANCA

O governador da Virgínia, Douglas Wilder (o primeiro negro governador nos EUA), foi dar as boas-vindas aos Ombudsmans, em Williamsburg. Disse, entre outras coisas, que tem o diretor de sonegar informações em nome do interesse da comunidade. Não foi contestado pelos Ombudsmans.

  • A Ono (Organization of News Ombudsmen) atualizou o seu quadro de membros efetivos. Existem atualmente 49 Ombudsmans em atividade. São 31 nos EUA, oito no Canadá e oito nos outros países: Grã-Bretanha (dois), Japão, Espanha, Suécia, Israel,. África do Sul e Brasil, cada um com um único.
  • Mais dois Ombudsmans foram nomeados em Londres, mas ainda não pertencem à Ono. São Bob Edwards, no "Today" e Ken Dodd no "Sunday" Correspondent" Edwards foi editor do "Daily Express" e do "Sunday Mirror", Dodd está aposentado pelo "Guardian", onde foi editor executivo.
  • Uma segunda mulher exerce as funções de ombudswman nos EUA. É Colleenn Patrick, do "The Seattle Times". Ela e também a decana Sue Ann Wood, advogada do leitor do "St. Louis Dispatch", estiveram em Williamsburg.
  • O professor Robert L.Stevenson, da escola de jornalismo da Universidade da Carolina do Norte, encerrou o encontro dos Ombudsmans com uma palestra na quarta-feira. Uma de suas frases: "A imprensa não provoca guerras, nem pode acabar com elas. Nem tem o poder ou autoridade para afetar nossa vidas como tem os governos".
  • O próximo encontro anual dos Ombudsmans vai ser em Jacksonville, na Flórida Times-Union", um matutino que também tem seu advogado do leitor, Miki Kerry Sippe, ombudsman do "The Virginian Pilot" e do "The Ledge Star", ambos de Norfolk, ao sul de Washington.

Endereço da página: