Folha de S. Paulo


Um encontro de ombudsman

Começa hoje em Williamsburg, uma cidade histórica dos EUA ao sul de Washington, o encontro anual dos ombudsman de imprensa. O representante desta Folha estará lá. Existem 44 jornais em todo o mundo que abrigam Ombudsmans. São 28 nos EUA, oito no Canadá e os oito restantes distribuídos pela Grã-Bretanha (dois), Japão, Israel, Suécia, Espanha, África do Sul e Brasil. A Folha é pioneira e única na América Latina, por enquanto.

Na oportunidade serão discutidos a ética no jornalismo, conflitos de interesses, relações de vítimas de crimes com a imprensa e coisas mais amenas como a psicologia do ombudsman. "Se estou trabalhando bem, por que me sinto maltratado, incompreendido, isolado e vulnerável?" é a pergunta que o especial Robert E. Young, da Easten Virginia Medical School, pretende responder aos 39 ombudsman que confirmaram a presença. Incompreendidos ou abusados, os representantes dos leitores estarão debatendo durante quatro dias problemas ligados aos jornais e aos leitores, sua razão de ser.

Não confirmou presença um dos mais antigos profissionais do ramo, o jornalista James McClurg, 76, há quatro anos e meio junto ao "The Star", o segundo jornal da África do Sul, baseado em Joanesburgo. Ele exerceu o mesmo cargo durante oito anos no maior matutino da África do Sul, o "Rando Daily Mail", até ser fechado em meio a grande controvérsia. Hoje, McClurg faz crítica periódica da imprensa afrikaanas, pró-governo. Sua coluna é reproduzida em quatro jornais. O mais curioso é que ele trabalha em sua casa, em Muizemberg, distante 1.440 km de Joanesburgo, sede do "Star". Os leitores lhe escrevem cartas e, quando pedem ao jornal, podem ter o número do telefone de sua casa e assim conseguem falar com ele.

A ONO, Organization of Newes Ombudsman (Organização do dos Ombudsman de Imprensa), registra mais um caso de ombudsman que atende leitores em casa, Frank Ritter, do "The Tennesssean", um matutino de Nashiville, nos EUA. Tem, a função de advogado do leitor (aliás, não mais do que 55% dos profissionais carregam o nome ombudsman; os outros são editor público, defensor do leitor, representante do leitor ou advogados do leitor). Ritter atende doze telefonemas por dia, em média, e o jornal publica o número de sua casa. "Mas poucas pessoas me telefonam fora do horário comercial, das 9h às 7h", conforme ele me escreveu em cara. Não se trata de um país como o Brasil, evidentemente.

Antes de sais para este encontro fiz uma sondagem entre os Ombudsmans.

Estava preocupado com a quantidade de leitores que ligam, trinta por dia em média, e com as cartas, porque houve dias em que recebi mais de vinte. Não sabia avaliar se a Folha é muito ruim, se o brasileiro é um reclamão exagerado ou se a coisa é assim mesmo. Fiquei espantado com a tabulação da pequena pesquisa.

Os Ombudsmans, recebem no mínimo quatorze telefonemas diários, no máximo dezoito, uma média obtida com respostas de 70% dos profissionais em atividade. Quanto às cartas, elas variam de cinco a seis por dia. Os problemas são semelhantes aos da Folha conforme constato nas colunas que recebo regularmente. Erros factuais, declarações distorcidas e problemas éticos estão presentes em qualquer jornal do mundo - com mais ou menos gravidade.

Outro dado interessante é que 80% desses jornais publicam coluna semanal de seus Ombudsmans. Mais da metade deles (60%) faz o que pode chamar de "media criticism", ou seja, a crítica dos meios de comunicação de massa. Outros, como José Miguel Larraya, do "El País", o jornal mais badalado na Espanha, só criticam o seu próprio veículo. Dos que fazem a crítica geral todos que me escreveram ressaltaram que procuram se dedicar mais ao jornal para o qual trabalham.

Poucos atendem pessoalmente os leitores nos seus gabinetes. Um deles. Leo Della Betta, do "The Arizona Daily Star", conta que não os recebe de forma alguma. "Há alguns anos comecei a fazê-lo e as situações eram geralmente improdutivas. Os leitores acabam gritando comigo e eu com eles." Seu sobrenome pode sugerir o temperamento de italiano estourado, improdutivo numa função que exige sobretudo paciência de Jó.

É isto que mantém vivo Takeshi Maezawa, o chefe do Comitê de Ombudsmans do "Yomiuri Shimobun", o maior jornal do Japão, aquele que em 1988 superou a marca dos 14 milhões de exemplares (em duas edições diárias) e foi para o "Guiness", o livro de recordes. Maezawa coordena 21 Ombudsmans recebendo uma média de cem ligações diárias e dez cartas cada um. As maiores queixas, revela ele, são relativas à "exatidão, imparcialidade de decência" do "Yomiuri Shimbun".

O jornal de menor circulação a manter um ombudsman é o "The Arizona Daily Star", do impaciente Della Betta, 90 ml exemplares/dia. Em geral os jornais circulam com mais de 300 ml exemplares (a Folha está na casa dos 376 mil de segunda a sábado e 473 mil aos domingos). As duas maiores estrelas americanas que se preocuparam em ter um profissional à disposição dos leitores são o "The Washington Post", média de 760 mil exemplares, e o "The Boston Globe", com 502 mil exemplares diários, sétimo e décimo-quinto no ranking americano, respectivamente.

Com a recente criação de um código de ética, na Grã-Bretanha, pelo menos mais dois jornais adotaram o ombudsman e o número de profissionais registrados na ONO deverá aumentar. Já existe, na Grã-Bretanha, o ombudsman de televisão. Na definição da ONO, o ombudsman é a pessoa que recebe e investiga reclamações de leitores, ouvintes ou telespectadores. Cuida da "acuidade, equidade, equilíbrio e bom gosto nas notícias.

"A ONO acrescenta: "ele ou ela recomendam remédios apropriados ou respostas para corrigir ou clarificar as noticias." Por falar em "ele ou ela", existe uma única ombudswoman filiada à organização. É a jornalista Sue Ann Wood, a advogada dos leitores do "St Louis Post. Dispatch", do Missouri, o vigésimo-primeiro no ranking dos diários americanos com 377 mil exemplares/dia. Seu Ann presta ainda um outro serviço, pouco comum entre seus colegas: envia cartas às pessoas mencionadas em artigos publicados no jornal perguntando se o texto, as manchetes e as legendas das fotos estão corretas.

Imaginem se os jornais brasileiros passassem a fazer isto. Pois estou pensando em implantar a idéia para ver, também, como a Folha está se saindo na opinião dos personagens de suas noticias.

RETRANCA

  • Em virtude da participação do ombudsman no encontro anual da ONO (Organização dos Ombudsmans da Imprensa) os leitores não poderão falar comigo por telefone durante a semana. Mas podem deixar recados no ramal (011) 874-2896. Os telefonemas de retorno serão dados a partir de 21 de maio, quando o atendimento volta ao normal.
  • Uma pequeno erro de digitação, na Folha, causou a maior confusão entre jornalistas e juristas. No sábado retrasado a Folha publicou a íntegra de mais uma medida provisória do governo Collor. Num de seus artigos foi grafada a palavra "revogadas" no lugar da palavra certa , "revigoradas". Assim, em vez de "revigorar" o coração do Plano Collor (a lei 8.024), a Folha dizia que ela tinha alguns de seus dispositivos "revogados".
  • Veja o quiproquó. No dia seguinte, domingo, a Folha trazia a correção da informação perdida numa página interna do caderno de Economia. No mesmo dia a seção Painel abria seu noticiário chamado de "frágil" a medida provisória porque "revogava" a "base" do plano. Deu cinco notas sobre o assunto e até chamou em auxílio Miguel Reale Jr. "Está tudo um caos jurídico."
  • Independente do caos, que realmente se assentou, na terça-feira foi o ex-ministro da Justiça, Saulo Ramos, quem gastou mais da metade do espaço da seção Tendências/Debates, nesta Folha, para criticar a "macarronada manauara", a "trapalhada" dos legisladores do governo. Ele certamente não prestou atenção no "Erramos". É simplesmente inadmissível que erros assim continuem ocorrendo e que suas retificações sejam efetuadas de maneira tão discreta. E mais: a "Gazeta Mercantil" publicou a integra da medida no mesmo dia de maneira impecável. Saulo Ramos confiou na Folha e passou vergonha. Foram dois os leitores que chamaram a atenção do ombudsman para a coisa: os advogados Renato Rua e Raquel Otranto.
  • Os jornais gostam de criticar o "paquidermismo" de determinados jornais, muito morosos, que levam tempo para reagir diante de certos fenômenos jornalísticos. A Folha teve um momento de paquiderme na terça-feira. Deixou de noticiar, comentar e analisar com dados objetivos um dos episódios históricos da televisão brasileira: a entrada do "TJ Brasil" (do SBT) às 20h, a reação de espichamento do "Jornal Nacional" (da Globo) e a consequente disputa de audiência entre as novelas "Rainha da Sucata" e "Pantanal". Somente na quarta-feira os leitores da Folha puderam saber o que tinha acontecido, quais foram os índices de audiência etc. O "Jornal do Brasil" não perdeu tempo e sua edição de terça-feira ostenta notícia e análise do evento na sua primeira página.
  • Não posso deixar de registrar telefonema do leitor Paulo Fonseca, de São Paulo. Ligou para elogiar a "sensibilidade" do jornal na reportagem sobre o Grande Prêmio São Paulo, disputado domingo passado no Jóquei Clube e vencido pelo cavalo Jex. O leitor se referia à frase que abria o terceiro parágrafo do texto principal da contratação de Esportes. "A vitória de Jex era prevista no círculo íntimo do cavalo".

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