Folha de S. Paulo


Imprensa, televisão e candidatos

Depois de quase trinta anos de abstinência, a estreia da grande imprensa brasileira na cobertura de uma eleição direta para presidente foi boa. Revelou capacidade de investigação, maturidade e predisposição para o acompanhamento objetivo dos casos factuais.

O "Jornal do Brasil" escarafunchou os acordos podres que envolveram o lançamento da candidatura de Silvio Santos; a Folha revelou desmandos administrativos de Fernando Collor de Mello; "O Estado" acompanhou com determinação escândalos que envolveram o Partido dos Trabalhadores; jornalistas de "O Globo" tentaram um equilíbrio -apesar da titulagem e dos editoriais desequilibrarem o jornal pró-Collor de Mello.

Quem pôde acompanhar os quatro grandes jornais e maior revista semanal, a "Veja", notou também a coroação da divisão da imprensa brasileira, cindida entre liberais e conservadores. Do ponto de vista técnico, existe uma imprensa informatizada (ou em fase de ) e bem preparada para cobrir grandes eventos. Ela é moderna (desculpe a palavra) no seu produto final. Quanto ao conteúdo é que as publicações se diferenciam meridianamente. Entre os conservadores se encaixam "O Estado" e "O Globo". Entre os liberais estão a Folha, o "Jornal do Brasil" e "Veja".

Há excessos dos dois lados. O liberalismo infantil custou-lhe ataques de Collor e processo do PT -duas coisas que jornal buscou com avidez, diga-se de passagem. Os editoriais de capa de "O Globo" mostraram o quanto a língua portuguesa é rica em expressões elogiosas para permitir quase um texto diário de louvação a um candidato, Collor. Conforme "O Globo", ele foi único que revelou discernimento, segurança, liderança, modernidade, eficiência, dinamismo... Na quinta-feira, no dia do debate que mostrou Collor por inteiro, "O Estado" disse que "a posição do bom senso e do patriotismo recomenda que se vote no respeito à Constituição, que hoje é encarnado pelo sr. Fernando Collor de Mello".

"O Estado", muitas vezes parecia mais um jornalista inglês cobrindo a campanha com luvas e nariz torcido do que o mais legítimo representante do conservadorismo senil. No dia que estourou o escândalo Miriam Cordeiro (a ex-namorada de Lula que o acusou de oferecer dinheiro para abortar a filha que depois teria dele), "O Estado" ignorou o caso, um dos fatos mais marcantes da campanha, na sua primeira página. Exagero no anti-sensacionalismo?

Nossa imprensa segue mais o estilo anglo-americano de jornalismo do que europeus. Desde o formato grande (o dito standard) até a maneira como são dispostas notícias e análises nas páginas. Procura-se separar o fato da opinião, a notícia do comentário. Apesar de mesclar notícia e opinião, na "Veja" prevalece o bom senso classe média, nada que choque o brasileiro. Mas é uma revista que publica bastante informação, o contrário da maioria das congêneres da Europa continental.

Ser liberal não significa opção por Lula. Ser conservador, no entanto, significou opção por Collor. "O Globo" e "O Estado" foram os que optaram com clareza por um candidato. Nada de anormal, estão entro da tradição da imprensa conservadora internacional.

Posição mais avançada, no entanto, é a das publicações que decidiram manter uma postura crítica e distanciada em relação às duas candidaturas. São as que avaliam os prós e contras dos dois lados. Quem teve a oportunidade de ler a primeira página do "Jornal do Brasil" de ontem, por exemplo, entende o que estou dizendo. Com o mais absoluto equilíbrio, o jornal exibiu o que chama de "sete leis do confronto na TV". Reproduzo um pequeno trecho da "lei da circunavegação", partilhada por ambos os candidatos: "Consiste no exercício de contornar a pergunta do jornalista para dar uma cotovelada no adversário, no importa quão sinuosa possa ser a linha a percorrer entre um extremo e outro".

Ninguém é ingênuo de discordar que tudo isso não seja uma guerra. A grande imprensa está também metida nela enquanto representante legítima disso que Lula chama de "classe dominante", a elite brasileira. "Num assunto tão perigoso como é a guerra, os erros devidos à bondade da alma são precisamente a pior das coisas", anotou Carl Von Clausevitz, o mestre da guerra.

Não há bondade na imprensa liberal quando ela distribui cacetadas para todos os lados. Conquista com isso os polos contrários e, dentro das leis de mercado, consegue os dividendos dessa política ao contentar e descontentar a todos. Estratégia de marketing? Sim. Desde que o serviço de informação pública seja cumprido à risca, desde que o leitor -que paga e sustenta o jornal-não seja desinformado, tudo bem.

O leitor -e eleitor-brasileiro tive tudo isso durante esta campanha. Tanto com o auxílio das publicações diferentes por dia, para "tirar a média". Mas o brasileiro que acompanhou a imprensa tem hoje mais condições de decidir soberanamente seu voto do que aquele que ficou apenas com o que lhe foi vendido pelos noticiários da TV -superficiais e ligeiros devido à própria característica da televisão brasileira.

Você, não importa se vota em Collor ou Lula, não ficou com engulhos ao ver a maneira como o "Jornal Nacional" (da Globo) editou na sexta-feira os trechos do debate da véspera entre os candidatos? A propósito, assistindo esse último debate o leitor pode concluir também que a imprensa escrita (vá lá a tautologia) brasileira, com todas as distorções ideológicas, portou-se nesta campanha muito melhor que os dois candidatos e a televisão, somados. Espera-se também que o eleito de hoje não trate os jornalistas da maneira como se fez no debate, sem direito a contestações e réplicas. Registre-se ainda a docilidade das quatro redes (Globo, Manchete, SBT e Bandeirantes) que concordaram com as imposições dos candidatos.
E ai de nós se o eleito de hoje administra o país como administrou sua fala no debate. Se ganhar Collor, teremos um governo de mentiras. Se for Lula, teremos o governo da desinformação.

RETRANCA

- Os telespectadores -e eleitores-foram feridos em seus direitos esta semana por uma atitude ditatorial da Abert, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV. As emissores Gazeta, Record e Cultura viram-se impedidas de colocar debates paralelos nos intervalos do debate dos presidenciáveis. "A Globo não quer, prefere uma imagem limpa, conforme acertado com os candidatos". Foi esta a frase que o diretor de jornalismo da TV Gazeta, Marco Antonio Coelho Filho, ouviu de um colega seu de uma grande rede, na véspera do debate. A Globo não quer, determina e as pequenas redes aceitaram porque caso arrostassem a proibição iriam ficar sem a imagem do debate principal.

- As quatro redes já haviam dado outra mostra de incoerência ao aceitar a regra do debate que impedia o direito de réplica aos jornalistas que fizeram perguntas. Louve-se, a propósito, a intervenção de Vilas-Bôas Corrêa, da rede Manchete, o único a reclamar dessa camisa-de-força no ar. Villas-Bôas pediu a Collor que não respondesse sua pergunta com demagogia e foi exatamente isso o que fez o candidato. Villas-Bôas não pôde sequer protestar.

- Merval Pereira, da direção do diário carioca "O Globo", liga para reclamar que esta coluna criticou seu jornal na semana passada por editar escondidinho a pesquisa do Ibope, a mesma que mostrou um crescimento na intenção de votos para Luis Inácio Lula da Silva. A Folha e o "Estado", diz ele, "também não destacaram na sua capa e você não falou". Conforme Merval, a pesquisa de "O Globo" é a do Gallup, e é esta que o jornal destaca. Ele tem razão na primeira parte da queixa. Realmente, a Folha esconde as outras pesquisas na sua seção "Painel". Uma vez que todas as pesquisas estão na área, creio que os jornais deveriam destacar as suas (DataFolha na Folha, Gallup no "Estado" e no "Globo", etc.), mas não precisam esconder as outras pesquisas. Devem noticiá-las com bastante destaque para melhor informar seus leitores. Assim, eles podem cotejar melhor as informações e todos os dados que acompanham as sondagens. Mas Merval pisou na bola na segunda parte de sua crítica. Na sexta-feira "O Globo" praticamente escondeu -na sua primeira página-a publicação da sua pesquisa Gallup. Sequer dizia no texto da capa que, com 45,6% das intenções de votos, Collor estava tecnicamente empatado com Lula naquele momento, que conseguiu 43,8% na pesquisa.

- Volto a orientar os leitores que telefonam ou querem conversar pessoalmente com o ombudsman. Atendo todos pelo telefone e retorno ligações quando deixam recado. Não converso com anônimos. Para ser atendido é preciso dar nome completo, telefone ou endereço. Já recebi telefonemas agressivos contra a Folha de pessoas que deram nome e telefone falso e depois bateram o fone no gancho. É por isso que muitas vezes peço os dados e ligo depois. Este aqui é um serviço aberto a todos, onde todos são atendidos e suas queixas encaminhadas (o que não quer dizer resolvidas). Mas, como dou meu nome, quero saber com quem estou falando. Aos que desejam falar pessoalmente com o ombudsman, volto a pedir, por favor, marquem data e hora com antecedência.


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