Folha de S. Paulo


Alguns motivos para se torcer contra a notícia

James Joyce disse que são os anúncios e as "várias" que vendem um grande diário e não as novidades batidas do noticiário oficial. Ele ensina como é feito um grande "órgão diário" (como está escrito na tradução de "Ulysses", feita por Antônio Houaiss, página 132). Entre as "várias", Joyce não especificou, mas se pode incluir o Esporte. Não existe grande jornal sem uma competente editoria de Esporte. Os diários podem abrir mão até de fotografias (FDT para Joyce -fotos dizem tudo), mas prescindir do futebol (no Brasil e na Itália) da tourada (na Espanha), do futebol americano (nos EUA), do rúgbi (na Inglaterra), isto nunca.

A Folha entende o contrário. Com sua panca de matutino ousado, acha que sobrevive esnobando o leitor de Esportes. Sua inovação na área consistiu na criação de uma espécie de coitus interruptus entre o leitor e a notícia esportiva. No dia dos grandes jogos ela fala tudo que pode sobre eles. Abre página dizendo que ninguém pode perder a partida e no dia seguinte esquece o assunto. Como fez nesta quarta-feira com o Corinthians e Portuguesa. O resultado, quando vem, aparece apenas na primeira página de alguns exemplares do jornal, os do segundo clichê, que nunca chegam à totalidade dos leitores.

Cadê a história da partida, a descrição das jogadas, do gol, a palavra cansada dos jogadores final do jogo, os arroubos do técnico? Isto pode ser muito bom mas não serve para o leitor desse jornal.

A coisa foi ficando tão corriqueira que o tratamento dado ao futebol foi extrapolado para outras modalidades. Nesta quarta-feira a Folha fez a apresentação detalhada da rodada do Masters, nos EUA, da copa de tênis, em Brasília, das finais do Campeonato Paulista de Basquete, deu uma página inteira para a rodada do Campeonato Brasileiro de futebol. Neurótico esse pessoal do Esportes. Faz o maior estardalhaço e no dia seguinte, na quinta, pega-se o caderno e descobre-se que o São Bento negocia a compra do goleiro Rojas; que Mário Tilico joga domingo (hoje) em Porto Alegre; que os "forasteiros" lideram nas tabelas de artilharia do campeonato europeu e que Lendl e Becker "começam" com vitória nos EUA. O leitor vibra, aliviado. "Boa, pelo menos o Masters eles pegaram!". Está desinformado. Trata-se do resultado da partida de terça. Não havia um resultado do que foi anunciado na véspera.

Essa esquizofrenia vem de longa data. Vira e mexe se discute, internamente, se o jornal deve publicar os resultados, esperar o fim das partidas ou ser impresso sem o resultado. O argumento do departamento industrial é o de que quanto mais atrasa o "fechamento" da edição (o fim dos trabalhos diários na redação) mais o jornal vai encalhar e mais tarde o assinante vai recebê-lo. A argumentação é ponderável.

Mas não é muito ruim perceber um jornal incompleto? Pois é assim que circula grande parte da edição da Folha nos dias seguintes aos jogos. Com a campanha eleitoral a coisa piorou. A editoria de Esportes passou a "fechar" por volta das 18h nos dias de semana e às 16h nos sábados. Encerra seus trabalhos e começa a ser rodada antes do jogo começar!

Como é importante registrar o placar final, nem que for na primeira página, o jornal então faz no segundo clichê. Troca uma das notícias que estava na sua capa pela nota com os resultados dos jogos. Em outras épocas, quando eu era secretário de Redação do jornal (de 82 a 87) costumava-se dar o resultado tanto na capa quanto nas páginas de Esportes. Naquela época, a editoria fechava mais tarde. Precisava fazer tudo com muita rapidez. O jornal ficava inteiro na rotativa esperando apenas a capa e a página interna para começar a rodar. Os redatores deixavam prontas pelo menos três probabilidades de resultado quando o jogo estava apertado. Terminado o jogo, era só escolher a certa e dar o imprima-se. Um dia foi o desastre. Saíram publicadas, ao mesmo tempo, a vitória para um time, o empate e a vitória para o outro.

Mais tarde o jornal "sofisticou" a operação e passou a publicar o célebre "até tantos minutos da partida o jogo estava tanto a tanto". Sem comentários. Então decidiu-se fazer uma pesquisa entre os leitores. Ela foi realizada em maio deste na e apontou que a publicação dos resultados dos jogos de futebol era importante -ou muito importante-"somente" (está escrito assim no relatório da pesquisa) para 33% dos leitores. Para 66% ela era pouco ou nada importante.

Este resultado inflou ainda mais as convicções internas de que o jornal não precisava começar a ser impresso com o resultado. É a política que vem sendo adotada até hoje. Há três pontos equivocados aí:

1. São mais de cem mil leitores (e portando 300 mil em potencial levando-se em quanto que pelo menos três pessoas leem um mesmo jornal) que não estão sendo atendidos na sua expectativa. Não é porque a maioria acha pouco importante que se deve desrespeitar um terço dos leitores que compra o jornal e ajuda a manter também a editoria de Esportes.

2. Pessoalmente, também acho desnecessário o resultado. Eu sei dele pelo rádio, pela TV, pergunto a alguém. O importante é a reportagem do que aconteceu em campo, as notícias do antes, do durante e do depois. As crônicas e análises. Os quadros de aproveitamento. As chances de cada time no campeonato. Tudo isto faz do jornal um jornal.

3. A pesquisa se referia apenas ao futebol. Mas a Folha ampliou a mesma orientação para todos os esportes cujos horários de jogo não se adaptem a seus rígidos horários industriais. Não perguntou se eram importantes os outros resultados. A pergunta tem lógica porque o leitor pode achar desinteressante o resultado do futebol e o do vôlei não.

Enfim, o jornal não se incomoda e se mantém firme a uma lógica perversa. Obriga inconscientemente seu caderno de Esportes a baixar a bola de tudo o que é "quente", de tudo que é notícia tardia. Os jornalistas do caderno chegam a torcer para que nada aconteça a partir das 18h. Ao mesmo tempo em que o jornal foi se sofisticando, informatizando, criando cadernos separados e modulando suas edições, esfriou sua cobertura esportiva. Isto precisa ser revisto. Nas condições atuais, é melhor não ter caderno diário de Esportes. Cada quinta-feira e domingo são um desapontamento só.

DUPLO ERRO

Repare nas duas notícias publicadas acima. A da esquerda foi dada pela Folha num domingo, 19 de novembro passado. A outra na terça-feira passada. É resultado da intervenção do ombudsman. Infelizmente, como se diz, a emenda saiu pior do que o soneto. Recebi um telefonema de um amigo do ministro Edson Vidigal depois da publicação da primeira nota. Ele dizia, com razão, que a notícia fora publicada sem que a família tivesse sido ouvida. Tomou-se como verdadeira a versão de que o menino se queixava de maus tratos. Este amigo da família, Alceu Gama, ligou para pedir uma retificação. A direção do jornal acionou na Sucursal de Brasília, que providenciou a segunda nota. Nela, a família aparece "negando" o que o jornal havia afirmado que ela tinha feito. Como a Folha conversou com o médico, sabia que a família não estava "negando" os maus tratos, mas explicando que o garoto tinha graves problemas neurológicos. Para colocar a coisa em pratos limpos, bastava a Sucursal de Brasília elaborar uma nota retificativa. A primeira notícia sugere maldosamente que o menino se jogou da janela depois de "maus tratos".

A segunda deixa a questão no ar, não diz que Eduardo havia tentado se matar duas vezes e tinha problemas na escola. Não explica como era seu relacionamento com a madrasta. Tudo isto, além de outras informações sobre o comportamento do menino foi relatado à Folha em Brasília. Nada disso apareceu na segunda nota, que pretendia "retificar" a primeira. A Folha errou, portanto, duas vezes.

RETRANCA

- Critiquei na semana passada uma crônica de Paulo Francis. Diz observações sobre seu trabalho e seu estilo. Ele respondeu com ataques pessoais no seu espaço de quinta-feira, na Ilustrada. Suas agressões, por serem destemperadas, não merecem resposta. Continuo admirando-o como ficcionista e jornalista. Não pretendo me indispor com ele mas admito que, como muitos outros jornalistas brasileiros, Francis não está preparado para receber críticas. Não cabe a mim educa-los. Também não é porque Paulo Francis é meu amigo que está imune às críticas. Enquanto eu estiver neste cargo nada vai me abalar na disposição de apontar os erros técnicos e as injustiças cometidas tanto pela Folha quanto por outros órgãos de comunicação, doa a quem doer.

- Este jornal cometeu uma injustiça com o secretário da Segurança Pública de São Paulo, Luiz Antônio Fleury Filho, na sua edição de terça-feira. Fez mais uma daquelas que enganam o leitor e afastam as fontes de informação. A capa da Folha naquele dia trazia um título forte: "PM mata mais e ganha elogio de secretário". Conforme o "Aurélio", o verbo elogiar significa louvar, gabar, enaltecer. Quando o secretário de Segurança diz, em entrevista, que o maior número de mortes cometido pela Polícia "significa que ela está mais atuante", ele não está fazendo um elogio, mas uma constatação. O título da capa está distorcido.

- A injustiça com o secretário Fleury continuou. O título interno chamava para o sensacional, "Fleury diz que PM vai matar mais este ano". Em uma entrevista honesta, o secretário explicou com clareza que o fato de existirem mais PMs nas ruas aumenta a chance de confronto com marginais, ou, conforme suas palavras, "o choque entre policiais e marginais deve aumentar". O título foi retirado desta frase. Típico caso de pinçamento indevido, de distorção. Ao publicar carta do secretário no Painel do Leitor, reclamando da edição de sua entrevista, o jornal também não resolveu o problema. O mais certo era dar uma nota fazendo as correções.

- A imprensa brasileira ganhou o seu segundo ombudsman. Ele se chama Victor Venturini, é professor, advogado e jornalista. Tem 50 anos e 5 de jornalismo. Está no posto desde 30 de setembro no semanário "O Tambaú", da cidade do mesmo nome, que fica perto de Ribeirão Preto. Venturini diz que a criação do ombudsman da Folha inspirou sua nomeação. Ele tem mandato de um ano, atende às queixas tanto dos leitores quanto da população de Tambaú. Sua coluna funciona como a de um ouvidor-geral da cidade. "O Tambaú" tem tiragem de cinco mil exemplares.


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