Folha de S. Paulo


O 18 a 1 da Câmara

Gilmar Félix/Câmara dos Deputados
BRASILIA, DF, BRASIL, 09-12-2014, 17h00: o Comissão Especial da Câmara durante votação de relatório do Estatuto da Família que na prática proíbe a adoção de crianças por homossexuais. A relatoria é do deputado Ronaldo Fonseca (PROS-DF) e a sessão foi interrompida por pedido de vista da deputada Erika Kokay (PT-DF). Ele está sendo acusado por parlamentares do PT de ter ofendido a deputado Maria do Rosário (PT-RS) no plenário. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER)
A deputada Erika Kokay (PT-DF)

BRASÍLIA - É possível evocar a religião para causar mais sofrimento a uma mulher que foi vítima de estupro? A Câmara mostrou que sim na quarta-feira, ao fazer avançar um texto que proíbe a interrupção da gravidez em casos de violência sexual.

O episódio é um exemplo clássico de contrabando legislativo. Deputados da bancada da Bíblia incluíram um jabuti numa proposta que estendia a licença-maternidade para mães de bebês prematuros.

O texto original tratava de direito trabalhista. O relator, Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP), aproveitou para fazer um enxerto em dois artigos da Constituição, estabelecendo que a vida começa na concepção.

Na prática, a mudança pode restringir ainda mais o direito ao aborto no Brasil. Em vigor há mais de seis décadas, o Código Penal autoriza a prática nos casos de estupro ou de risco à vida da gestante.

Em 2012, o Supremo Tribunal Federal abriu uma terceira exceção e permitiu a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos, que não têm chances de sobreviver fora do útero.

O relatório de Mudalen, ligado ao pastor R.R. Soares, foi aprovado numa comissão dominada pelo populismo religioso. No ponto mais baixo da sessão, o deputado Pastor Eurico (PHS-PE) sacudiu um boneco de plástico, representando um feto.

Ele se referiu às hipóteses de aborto previstas em lei como "matança de crianças" e acusou os contrários ao jabuti de defenderem ações "satânicas e diabólicas". Minutos depois, a comissão aprovou a proposta por 18 a 1. O voto contrário foi de Erika Kokay (PT-DF), que era a única deputada presente.

Na sexta-feira, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que a proibição do aborto em caso de estupro não será aprovada no plenário. Melhor assim, mas faltou dizer que foi ele quem permitiu que o tema avançasse. O deputado criou a comissão do jabuti em dezembro passado, a pedido de seus aliados na bancada evangélica.


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