Folha de S. Paulo


Um sistema autofágico

SÃO PAULO - Ao analisar a corrosão das democracias no mundo, o filósofo e linguista franco-búlgaro Tzvetan Todorov levantou a questão: "Haveria um indício de que, hoje, as ameaças que pesam sobre a democracia não vêm do exterior, da parte daqueles que se apresentam como seus inimigos, mas sobretudo de dentro, de ideologias, movimentos ou gestos que alegam defender os valores democráticos?".

A indagação pode apontar caminhos a quem se arrisca a fazer diagnósticos sobre o ambiente de conflagração no Brasil que chega ao auge com o ex-presidente Lula no epicentro da Operação Lava Jato.

As ofensivas sobre o petista acirraram os ânimos daqueles que vão às ruas, seja contra, seja a favor do impeachment, pró ou anti-PT.

Mesmo em lados opostos, uns e outros avocam a mesma missão, a defesa da democracia.

Se, de um lado, usar a cor vermelha entre grupos que querem o impeachment se tornou um fator de risco, do outro, apoiadores do governo reduzem os defensores da luta contra a corrupção a estereótipos, como os de "coxinha'' e "golpista''.

Vemos também protagonistas dessa disputa utilizarem o discurso democrático para legitimar interesses próprios. Sob o risco de ser preso, Lula se aproveita da máquina pública comandada pelo PT para ocupar um ministério e se beneficiar do foro privilegiado. Na tentativa de angariar aprovação, apela para argumentos de retomada da economia e da ascensão social.

Na outra ponta, o juiz Sergio Moro intensifica a politização do Judiciário adotando práticas que põem em risco liberdades e direitos individuais. Tais exemplos mostram uma novidade dos tempos atuais: valores inerentes ao sistema democrático invocados para miná-lo, como apontou Todorov.

Em um momento como este é preciso estar atento para que a democracia não seja em si o seu principal instrumento de destruição.


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