Folha de S. Paulo


Jardim joga lenha na fogueira

Renato Costa - 08.set.17/Folhapress
O ministro da Justiça, Torquato Jardim
O ministro da Justiça, Torquato Jardim

Na terça (31), o ministro da Justiça, Torquato Jardim, deu declarações ao jornalista Josias de Souza, do UOL. Em suma, o responsável pela área de segurança da gestão Temer disse o seguinte: 1) que o comando da Polícia Militar (PM) do Rio de Janeiro é fruto de acerto com "deputado estadual e o crime organizado", sem controle do governo local, e 2) que "comandantes de batalhão são sócios do crime organizado".

Em decorrência da gravidade das afirmações, criou-se considerável celeuma. Nesta sexta foi sorteado o relator da interpelação que o governador daquele Estado, Luiz Fernando Pezão, impetrou junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). O escolhido, nada menos que o relator da Lava Jato, Edson Fachin, terá que avaliar se Jardim deve ser obrigado a apresentar os nomes dos agentes públicos que estariam ligados ao crime, conforme exige o Rio de Janeiro. Enquanto Fachin decide, pensemos.

Ninguém parece entender muito bem o que motivou o titular da Justiça a falar contra uma administração que é do PMDB, assim como o ocupante do Planalto. Também não fica clara a posição do presidente da República. Informações de bastidores dão conta de que 48 horas depois da entrevista, Temer recebeu o auxiliar e teria lhe pedido silêncio até baixar a poeira. Nenhuma explicação ou atitude com vistas a orientar uma compreensivelmente aturdida opinião pública. Mas o descaso com a opinião pública faz parte do "style" planaltino atual.

Diante do desconhecido, então, tomemos, apenas por hipótese, as intenções de Jardim pelo seu valor de face. O desenrolar das frases enunciadas parece traduzir o simples desejo de desabafar. A impotência gerada por quadro insolúvel teria levado o ministro a pôr a boca no trombone: "Nós já tivemos (...) conversas duríssimas com o Secretário de Segurança do Estado e com [o] governador. Não tem comando".

No entanto, ainda que aceitando-se a trivial possibilidade de exaustão, é revelador o seguinte trecho da diatribe: "A virada da curva ficará para 2019, com outro presidente e outro governador". Mesmo que a situação atual seja desesperadora –e devemos admitir que o seja, em função do congelamento dos gastos públicos– o horizonte prático apontado pelo declarante é o da eleição do próximo ano, com reflexos longínquos.

Ao despejar as esperanças numa espécie de solução mágica que saia das urnas, Jardim alimenta um perigoso salvacionismo, cujo desaguadouro costumam ser as falsas soluções de autoridade. No momento em que crescem candidaturas cujo lema é mão firme para restabelecer a ordem, trata-se de um rematado desserviço. Impensado, talvez.


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