Folha de S. Paulo


Entender as ruas

Resposta do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sobre o impeachment da presidente Dilma Rousseff: "Estamos numa situação de ponto de interrogação. Dependemos do calor da rua, do avanço do processo judicial e da mídia" (Folha, 26/3). Em que pese a hipótese de impedimento equivaler, desde o meu ponto de vista, a um golpe branco, é verdade que a temperatura das manifestações irá influenciar o processo.

Dados obtidos por quatro pesquisas realizadas no domingo 15 de março em São Paulo (Datafolha e Fundação Perseu Abramo) e Porto Alegre (Índex e Amostra) dão boa ideia de qual o estado de espírito dos que têm se manifestado contra o governo. A constatação imediata mais importante é que a maioria não saiu de casa para pedir o impeachment. Mesmo podendo escolher mais de uma alternativa, apenas 27% dos entrevistados pelo Datafolha citaram tal motivo para ir à avenida Paulista. Em Porto Alegre, com resposta única, menos de 10% apontaram a opção radical.

Fica claro, portanto, que embora os grupos pró-impeachment sejam ruidosos, o grosso dos que decidiram se mobilizar é mais moderado. Cabe a uma oposição responsável reforçar tal tendência sensata, em lugar de flertar com teses antidemocráticas, como se vê aqui e ali. Até porque, embora não tenha sido o móvel principal do dia 15, o impeachment está na cabeça dos descontentes.

De acordo com a Fundação Perseu Abramo (FPA), 77% dos que estavam na Paulista eram favoráveis ao impedimento. Tal cifra é coerente com a encontrada em Porto Alegre. De onde se deduz que expressiva parcela dos manifestantes é simpática ao impedimento, mas não está engajada agora em tal movimento e é preciso impedir que isso venha a acontecer.

A julgar pelas informações coletadas pela FPA, há espaço para tanto. Quase 60% dos manifestantes em São Paulo giravam ao redor do centro ideológico. A maioria relativa (36%) colocou-se no centro propriamente dito, em uma escala esquerda-direita de 1 a 7. Outros 17% postaram-se na centro-direita. Houve até mesmo 6% que se localizaram na centro-esquerda. Apenas um quarto identificava-se com as posições de direita (8%) e extrema direita (17%).

Esteve certo o ministro José Eduardo Cardozo ao afirmar, na noite do 15 de março, que o Executivo se encontrava aberto ao diálogo. Existe a possibilidade de isolar os golpistas e estabelecer pontes com o centro. Mas, para isso, é necessário tornar efetivas as propostas de conversar com a sociedade mobilizada, incluindo também, é claro, os representantes dos que se manifestaram no dia 13 de março contra o ajuste (assunto para outra coluna). A mobilização social abre possibilidades de repactuação. Cabe às lideranças políticas, com paciência e determinação, aproveitá-las.


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